Uma estudante do curso de medicina veterinária da Universidade de São Paulo relatou em audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) ter sido vítima de estupro quando dormia em uma república de estudantes da USP de Pirassununga (SP) em 2013. A jovem de 27 anos afirmou que um aluno a abusou por trás depois que ela pegou no sono por ter bebido muito em uma festa. O depoimento foi prestado na tarde de quarta-feira (14) na audiência comandada pelo deputado estadual Adriano Diogo (PT).
(CORREÇÃO: O título original desta reportagem dizia que o fato aconteceu em um alojamento do campus, mas foi em uma república de estudantes da USP. A informação foi corrigida às 16h30).
“Acordei com a dor de ele me penetrando por trás, um estupro anal”, relatou a jovem à Comissão Parlamentar de Inquérito da Alesp que investiga a violência sexual na universidade. “O efeito do álcool passou na hora. Empurrei ele e consegui convencê-lo a me deixar ir ao banheiro”, afirmou. A estudante disse que conseguiu fugir e correu até a portaria do campus da USP. Conversou com o segurança, que teria a aconselhado a não fazer nada.
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A estudante disse ter feito boletim de ocorrência e que procurou o serviço social da universidade para relatar o fato e alertar para se ter cuidado com o estudante. “A assistente social me disse que ele já havia falado com ela e que achou que eu estava interessada. Fiquei muito nervosa. Ela afirmou que eu poderia abrir sindicância, mas, como estava muito bêbada, não tinha provas e não daria em nada.”
O episódio levou a Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) a abrir uma sindicância para apurar o fato.
Trotes na medicina da USP
Em outro depoimento, estudantes do curso de medicina da USP relataram detalhes do “Show da Medicina”, espetáculo teatral de calouros e veteranos da FMUSP, que ocorre anualmente no mês de outubro, e sobre os trotes a que são submetidos os calouros nos dois primeiros anos do curso.
No Show da Medicina, os calouros passam várias sessões de ensaio durante a madrugada onde têm de simular sexo entre si. E também são forçados a beber. “Você é amarrado numa cadeira para não cair de tanto beber. E vai tomando destilados até passar mal e desmaiar. Quando você não aguenta mais, um outro colega faz você beber ainda mais”, disse um estudante, relatando que teria caído de cabeça e tido traumatismo craniano.
Na tarde desta quinta-feira (15), outros estudantes de medicina foram prestar depoimento à Alesp. O diretor da FMUSP, José Otavio Costa Auler Junior, também esteve presente na audiência.
“Repudiamos todas as formas de violência que ouvimos por meio da mídia. Estamos envergonhados disso tudo que está acontecendo. Mas nunca nos omitimos em nenhum dos fatos que chegaram de foram oficial. Fizemos sindicância e apurações que seguem os preceitos da USP”, afirmou o diretor.
Auler Júnior disse que o processo de sindicância aberto na faculdade começou dia 21 de junho do ano passado. O relatório foi enviado à Procuradoria-Geral da USP e poderá resultar em punições. O diretor disse que a FMUSP suspendeu a realização de festas e a venda e consumo de álcool. Estuda mudar o currículo do curso de medicina para tratar mais de questões humanas. E vai conversar com os calouros que entrarem em fevereiro, depois de sair o resultado da Fuvest, para falar sobre a questão do trote.
Trotes em Piracicaba
Agressões, chibatadas, cuspe na cara, envenenamento e até ações de tortura fazem parte do ritual de entrada para os alunos da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), campus da USP em Piracicaba (SP). Desde dezembro, estudantes estão sendo chamados para depor na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Alesp.
Em depoimento, um aluno afirmou que foi envenenado com um liquido agrícola, que foi jogado em seu corpo, tirou os movimentos e degradou a pele. Ele não conseguiu ir à faculdade por conta do efeito do veneno e trancou a matrícula durante um ano.
“O exame toxicológico apontou veneno no meu corpo. Eu não tinha movimento nenhum, não conseguia me mexer. Fui prejudicado, não consegui fazer provas, não conseguia ir às aulas. Além disso eu ainda fui suspenso por uma semana depois que eu tentei denunciar o caso para a diretoria da universidade”, afirmou.
Outra estudante da Esalq, que prestou depoimento em sigilo, afirmou que os trotes acontecem dentro das dependências da universidade e também em repúblicas. Ela relatou que foi agredida com chutes, cuspes na cara e ainda foi obrigada a beber uma substância alcoólica, que ela acredita ter sido adulterada. “Talvez a minha bebida tenha sentido batizada, porque logo depois eu apaguei. Ainda disseram que eu tive sorte, porque poderia ter acontecido algo pior comigo”, disse.
Além disso, a aluna afirmou que um dos trotes da Esalq é chamado de “ralo doido” e que as ações são muito semelhantes a rituais de torturas. “Eles levam a gente para o meio de um canavial, fazem a gente tirar a roupa, dão chibatadas, esfregam a gente no chão”, afirmou. De acordo com os estudantes, os trotes aos calouros na USP só termina no dia 13 de maio, data em que se comemora a libertação dos escravos no Brasil.
Colaboraram G1 Piracicaba e G1 São Carlos