Entrevista – Responsabilidade Civil da Perda do Tempo Perdido: Mau atendimento

Conciliação e arbitragem

Entrevista – Responsabilidade Civil da Perda do Tempo Perdido: Mau atendimento

Não resta dúvida de que, atualmente, que o tempo de hoje não era igual ao tempo dos nossos pais e avós, ainda mais com os avanços tecnológicos que repercutem no dia a dia das pessoas. O tempo de hoje urge no famoso ditado popular: Tempo é dinheiro.

A tecnologia está cada vez mais se desenvolvendo e evoluindo, trazendo mais informação e comunicação, até mesmo das relações interpessoais tem assumido proporções tais que o transcurso de um minuto pode significar desde um negócio jurídico perdido a um momento raro em família desperdiçado, ambos potencialmente aferíveis economicamente.

Sendo assim que a ocorrência consecutiva de mau atendimento ao consumidor, gerando a Perda do Tempo Perdido, útil ou livre tem levado os Tribunais a dar seus primeiros passos para admitir a responsabilidade civil das empresas por desídia, desatenção ou até mesmo despreocupação com os consumidores.

Em entrevista a Gazeta do Advogado, o Dr. advogado, Vitor Vilela Gguglinski, explica que a Responsabilidade Civil da Perda do Tempo perdido se configura quando o fornecedor impõe ao consumidor a perda de considerável parcela de seu tempo na solução de uma demanda de consumo. Existe para o fornecedor o dever jurídico de bem atender o consumidor a tempo e modo. Quando o consumidor adquire um produto ou contrata um serviço, seus direitos não estão atrelados somente à fruição do bem de consumo adquirido (objeto do contrato). A rede de atendimento e suporte técnico disponibilizado pelo respectivo fornecedor integra o contrato de consumo como um todo (obrigação acessória). Sendo assim, além da garantia de qualidade do bem de consumo em si, há outros deveres jurídicos que devem ser observados pelo fornecedor, que gravitam em torno do produto ou do serviço, e cujo cumprimento também há de ser revestido de qualidade.

Confira a entrevista completa:

Gazeta do Advogado – Como se configura a Responsabilidade da Perda do Tempo perdido para o consumidor?

Vitor Vilela Guglinski – A responsabilidade civil pelo dano temporal se configura quando o fornecedor impõe ao consumidor a perda de considerável parcela de seu tempo na solução de uma demanda de consumo. Existe para o fornecedor o dever jurídico de bem atender o consumidor a tempo e modo. Quando o consumidor adquire um produto ou contrata um serviço, seus direitos não estão atrelados somente à fruição do bem de consumo adquirido (objeto do contrato). A rede de atendimento e suporte técnico disponibilizado pelo respectivo fornecedor integra o contrato de consumo como um todo (obrigação acessória). Sendo assim, além da garantia de qualidade do bem de consumo em si, há outros deveres jurídicos que devem ser observados pelo fornecedor, que gravitam em torno do produto ou do serviço, e cujo cumprimento também há de ser revestido de qualidade. No entanto, além de estar implícito no contrato de consumo, o dever de bem atender o consumidor também está disciplinado no âmbito legislativo, através do Decreto nº 6.523/08, que regulamenta o Código de Defesa do Consumidor para fixar normas gerais sobre o Serviço de Atendimento ao Consumidor – SAC, sendo que, dentre os princípios consagrados pelo mencionado Decreto está exatamente o da celeridade no atendimento. Assim, uma vez descumprido esse dever jurídico originário de bem atender o consumidor, nasce para o fornecedor o dever jurídico sucessivo de reparar eventuais danos advindos do mau atendimento.

GA – Como a jurisprudência vem se comportando com a Teoria da Responsabilidade da Perda do Tempo Perdido? Existe ainda resistência entre os Tribunais?

VVG – Ainda é cedo para se falar em jurisprudência, pois, até o momento, nenhum tribunal firmou entendimento sobre a matéria, que, em termos de cronologia jurídica, é ainda recente. Todavia, no TJRJ há farto repertório de acórdãos, com mais de 200 julgados envolvendo o tema. Há julgados também no TJSP, no TJPR, em Turmas Recursais Cíveis do TJRS, do TJSE e do TJMG. Também já tive contato com diversas sentenças da Comarca de Colinas (MA) abordando expressamente a tese da perda do tempo como causa de dano moral.

GA – Existem situações que nos trazem a sensação de perda de tempo, tais como: espera de atendimento em consultórios médicos, trânsito entre outros. Como distinguir o mero aborrecimento da responsabilidade da Perda do Tempo perdido?

VVG – A distinção é feita pelo magistrado, baseado em critérios de ponderação, pois há que se distinguir a perda tolerável do tempo da perda desarrazoada. Assim, é tolerável, por exemplo, que esperemos, por exemplo, por 15 ou 20 minutos pelo atendimento no consultório médico, no dentista, numa fila de banco ou numa repartição pública. Porém, não se afigura razoável esperarmos, com frequência, por mais de uma hora pelo atendimento nesses locais. Isso configura flagrante desrespeito aos direitos do consumidor.

GA – O Senhor poderia citar algumas situações do dia a dia que pode ser aplicado à teoria da Responsabilidade da Perda do Tempo perdido para o consumidor prejudicado?

VVG – Certamente. Os casos mais frequentes de perda intolerável do tempo são verificados, principalmente, nos canais de atendimento ao consumidor (call centers e SACs), em que o atendente não cumpre as determinações do Decreto nº 6.523/08. O citado Decreto determina, por exemplo, no art. 4º, que ao consumidor será garantido, no primeiro menu de atendimento, o contato direto com um atendente que não seja virtual, o registro de sua reclamação e o cancelamento de contratos e serviços. Há também as longas esperas em filas de bancos e instituições órgãos públicos (INSS, DETRAN etc.), que, sabidamente, tomam considerável tempo do cidadão.

GA – O Decreto 6.523/08 a chamada “Lei do SAC” que regulamenta o Código de Defesa do Consumidor foi criado com objetivo de fixar normas gerais sobre o Serviço de Atendimento. Em sua opinião, com advento da “Lei do SAC” o que mudou nas empresas de call centers em relação ao atendimento dos consumidores?

VVG – Substancialmente, nada. São raríssimas as sociedades empresárias que hoje estão adequadas à Lei do SAC. O consumidor brasileiro, infelizmente, continua sendo vítima do abuso no tempo de atendimento. Prova disso são os milhares de processos que tramitam na Justiça, em que o jurisdicionado busca a reparação de danos.

GA – Em relação ao atendimento em instituições bancárias, o Colendo Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, já reconheceu a competência dos Municípios para a expedição de normas de atendimento ao consumidor. A comprovação da ocorrência do dano seja ele patrimonial ou extrapatrimonial é necessário para aplicação da Teoria da Perda do Tempo perdido?

VVG – Sem dúvidas, a ocorrência do dano é, regra, um dos pressupostos para que se responsabilize civilmente alguém. Salvo raríssimas exceções, na seara da responsabilidade civil, para que haja o dever jurídico de reparação, são necessários: a conduta do ofensor (ação ou omissão), o dano e o nexo de causalidade entre a conduta do ofensor e o prejuízo suportado pela vítima. Em regra, sem dano não há reparação, pois não haverá um prejuízo a ser ressarcido. No caso do dano temporal, tendo em vista que o tempo é algo escasso e irrecuperável, fala-se em compensação pecuniária pelo tempo perdido. Isto é, de forma a amenizar os sentimentos negativos gerados pela perda involuntária do tempo, defere-se à vítima um valor em dinheiro.

GA – Os órgãos públicos podem ser responsabilizados pela demora do atendimento ao cidadão?

VVG – Sem dúvida. Há, inclusive, um acórdão no TJRJ condenando o DETRAN por dano temporal (ver acórdão). Trata-se da apelação cível nº 00214313820108190066, julgada em 16/04/2013. No caso, o DETRAN não prestou ao autor da ação, a tempo e modo, informações e orientações adequadas no ato da reabilitação de sua CNH. Reconheceu-se que o fato causou perda do tempo útil do autor, que experimentou frustração, aborrecimento e lhe gerou despesas que ensejaram a compensação e ressarcimento pelos danos morais e materiais causados.

GA – Recentemente o Conselho Nacional de Justiça criou campanha chamada “Meta 2” com a finalidade de bater recordes é garantir direitos ao cidadão. A Responsabilidade da Perda do Tempo perdido poderá se aplicada nos casos de morosidade do Poder Judiciário?

VVG – Penso que ainda é cedo pra se falar em responsabilização da Administração Pública pela morosidade do Poder Judiciário. Nesse caso, a culpa pela morosidade do Judiciário não é somente do Poder Público. As partes e seus advogados também concorrem para que os processos demorem, principalmente quando a parte figura no polo passivo da lide, ou seja, quando é ré, na medida em que ao réu quase sempre interessa atrasar o processo. Além disso, a perda do tempo se aplica àqueles casos em que a solução da demanda seria simples, sem maiores percalços. O judiciário, por sua vez, lida com muitos casos complexos, os quais não comportam análises superficiais, e por isso demanda mais tempo para dar uma solução definitiva à lide.

GA- E por fim, alguma consideração importante que o Senhor gostaria dizer sobre o tema?

VVG – Sim; e aqui faço menção à lição de Miguel Reale, que dizia que o homem é um ser cultural. Isso o distingue dos demais seres que habitam o planeta. Em outras palavras, diferentemente dos animais, cuja dinâmica social segue inalterada desde os primórdios, a convivência dos homens, ao contrário, sofre constantes modificações, influenciada por diversos fatores. Nesse contexto, penso que a reparabilidade do dano temporal é um dos grandes avanços na defesa do consumidor no séc. XXI. É com alegria que vejo nossos tribunais se afeiçoando a essa tese, pois, determinadas situações que, por exemplo, há 30 anos eram consideradas normais e toleráveis, nos dias atuais já não são mais bem recepcionadas ou desejadas pela sociedade. Uma delas é exatamente a desarrazoada subtração do próprio tempo útil ou livre para a solução de problemas aos quais seu titular não deu causa, fato que é mais comum nas relações de consumo.

Sobre o entrevistado: Vitor Vilela Gguglinski – Advogado – Pós-graduado com especialização em Direito do Consumidor – Membro correspondente do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON) – Ex-assessor do juiz da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora-MG – Autor colaborador dos principais periódicos jurídicos especializados do país.

Por Elisa M N da Silva

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