Guarda compartilhada obrigatória – Em benefício dos filhos
Rodrigo da Cunha Pereira
A lei da guarda compartilhada obrigatória, lei n.º13.058 de 22/12/14 instalou um novo sistema de educação e criação de filhos de pais separados. Ela é fruto da luta de pais responsáveis que se viam injustiçados por não poderem participar mais de perto da vida de seu filho. Afinal recusavam-se a ser meros coadjuvantes ou ocuparem um papel secundário na vida dos filhos. E educação de criança se faz com a participação em seu cotidiano. Há exceções, para tal obrigatoriedade, pois há quem não queira, não possa ou não tenha condições de participar do dia-a-dia dos filhos. Antes, a guarda era compartilhada apenas quando possível. Mas sempre davam um jeito de não ser possível. Agora mudou. Está instalado um novo paradigma jurídico em que as crianças/adolescentes serão os maiores beneficiários.
Criar filhos com responsabilidade não é nada simples, nem mesmo quando os pais vivem juntos ou se entendem. Esta lei vem exatamente para os pais que não conseguem conversar entre si. Para os que dialogam, obviamente, não precisa de lei alguma. A lei externa (jurídica) é para colocar limites e estabelecer parâmetros para quem não os tem internamente. Neste caso a lei vem “barrar o gozo” dos pais, que muitas vezes usam os filhos como moeda de troca do fim da conjugalidade, e fazem disto um jogo de poder: – “a guarda é minha!”, ou, – “não quis ficar comigo, vai comer o pão que o diabo amassou e não vai participar da vida do nosso filho!”. E isto nem sempre é tão explicito. Na maioria das vezes é feito com sutileza. E é assim que a guarda compartilhada, além de vários benefícios, funciona como um antídoto da alienação parental.
Não querer compartilhar a guarda é não pensar verdadeiramente nas crianças. Muitas mulheres compartilham o cotidiano dos filhos com avós, vizinhos, creche, mas não admitem compartilhar com o pai. Ou seja, a disputa de guarda é sempre uma questão de poder. E assim esta lei vem quebrar uma estrutura de poder. Este é o seu maior mérito. Há quem aposte que ela não vai dar certo. Mas o que não está certo é filho não ser criado por ambos os pais quando assim o desejam.
Como toda lei, esta também não é perfeita. O IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família tentou aperfeiçoá-la para que se desfizesse uma confusão ali instalada entre guarda compartilhada e guarda alternada. Não foi possível. Mas a lei é bem intencionada e no caso a caso é que se farão as adaptações e interpretações necessárias para que os filhos possam ter uma convivência, inclusive de tempo, equilibrada entre o pai e a mãe. Em muitos dos casos, a guarda alternada, isto é, divisão igualitária de tempo (cada semana, ou mês, com um dos pais, por exemplo) raramente é recomendável. Mas a guarda compartilhada é sempre (salvo exceções) conveniente para os filhos, e em nada interfere no pagamento de pensão alimentícia que, continua sendo de responsabilidade de ambos os pais na proporção de seus ganhos.
Uma outra novidade da lei que é que ela põe fim à polêmica se se pode ou não entrar com Ação de prestação de contas contra o pai/mãe que detém a guarda e recebe pensão alimentícia. Agora pode, diz o § 5º introduzido no artigo 1583 do CCB pela referida lei. Há quem diga que isto significa um controle excessivo da vida do ex cônjuge/companheiro. Não vejo assim. Acho justo que quem esteja pagando pensão alimentícia tenha a exata dimensão do destino daquela verba.
Mas o que tem apavorado mesmo, principalmente as mulheres, que historicamente sempre tiveram a guarda dos filhos, é que terão que equilibrar o tempo de convivência do filho entre eles. Mas isto é apenas uma má interpretação da lei. O que se vai compartilhar é o cotidiano dos filhos, que continuarão convivendo com os pais como quando eles eram casados. A diferença agora é que os pais passaram a viver em casas separadas.
Uma questão que ainda divide até mesmo psicólogos, psicanalistas e assistentes sociais, é se é bom para a criança/adolescente ter duas casas. Alguns acham que isto desorganiza a vida e rotina deles e que se deve fazer a guarda compartilhada, mas com uma residência única. Há um olhar e uma outra concepção sobre isto, e com a qual eu concordo. É bom que filhos de pais separados tenham duas casas e essa realidade e rotina se incorpora facilmente na vida deles. Ter duas casas não é necessariamente ruim. Ao contrário, pode até ser bom. Isto pode ajudá-los a entender que a separação dos pais nada tem a ver com elas (em geral os filhos se sentem culpados com a separação dos pais). As crianças são perfeitamente adaptáveis a essa nova situação e sabem perceber as diferenças de comportamento de cada um dos pais, o que ajuda afastar o fantasma da exclusão que em geral elas sentem em relação ao pai que não detém a guarda. (cf. Dicionário de Direito de Família e Sucessões – Ilustrado – PEREIRA, Rodrigo da Cunha, Ed. Saraiva. 2014, p.362)
O próximo passo legislativo, e que também contribuirá para ajudar na evolução do pensamento jurídico e quebra de paradigmas, é a aprovação do Estatuto das Famílias, PLs 470/2013 de autoria da Senadora Lídice da Mata que substitui a expressão guarda por convivência familiar. Além de significado, as palavras trazem consigo um significante. Guarda veicula a ideia de objeto e não de sujeito. O ideal é que não se fale mais em guarda, mas de um exercício de paternidade e maternidade compartilhados, uma decorrência natural do poder familiar. A separação dos pais não precisa significar o distanciamento da rotina dos filhos. Mas para isto é necessário que se veja pelo ângulo do interesse maior da criança/adolescente. Obrigar os pais a compartilharem a “guarda” é determinar que eles saiam do seu egoísmo e tenham um olhar mais generoso com os próprios filhos.
Rodrigo da Cunha Pereira
Advogado, Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família IBDFAM, Doutor (UFPR) e Mestre (UFMG) em Direito Civil e autor de vários artigos e livros em Direito de Família e Psicanálise.