Sucesso no Rio, o Projeto de Casamentos comunitários do TJERJ é coordenado pela Juíza Raquel de Oliveira, que explica um pouco sobre as diferenças práticas entre união estável e casamento, implicações jurídicas com advento da Medida Provisória 664 e efeitos práticos.
Ao contrário de muitos casais pensam, existem diferenças entre o casamento e a união estável. Com o advento da Constituição Federal de 1988, a União Estável deixou de ser matéria tratada só pelas legislações infraconstitucionais e Jurisprudência e foi introduzida no Direito Constitucional através do seu reconhecimento como Entidade Familiar, com sua devida proteção Estatal.
Com efeito, o artigo 226, § 3º da CF deixou bem clara real intenção do legislador, ao prever que“A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado: (…). Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.” A Constituição sinalizou claramente o prestígio ao modelo de família formalmente constituída pelo matrimônio, posto que previu que a lei deverá facilitar a conversão da união estável em casamento.
A Juíza Raquel de Oliveira, Titular da 6ª Vara Cível de Jacarepaguá, assumiu, em 2009, o Projeto de Casamentos comunitários dos Programas Sociais do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e concedeu entrevista à Gazeta do Advogado, com o fim de esclarecer uma série de dúvidas que pairam sobre o assunto. Ela esclareceu que o objetivo do projeto é cumprir o que preceitua a Constituição Federal, no sentido de facilitar a conversão da União Estável em casamento, propiciando a ampliação de direitos previdenciários, sucessão dos bens e ainda, tornando a união mais segura, sólida e amparada, além de outros benefícios facilitadores da conversão.
“É importante que as pessoas conheçam os direitos e deveres exigidos no casamento”, diz a juíza, lembrando que, tendo apenas a União Estável, para o exercício de direitos, como, por exemplo, no caso do pedido de pensão previdenciária, é necessária a comprovação dos fatos. “Com o casamento, a situação é de direito, bastando à apresentação da certidão. É muito mais fácil”, explica a magistrada.
Confira a entrevista completa:
Gazeta do Advogado – Existem diferenças significativas entre União Estável e Casamento?
Raquel de Oliveira – Existem diferenças substanciais entre a “União Estável” e o “Casamento”, embora, muitos insistam em dizer que é a mesma coisa. A primeira diferença está na fragilidade da União Estável, que é uma situação fática e depende de provas. Nós sabemos que quando algo depende de prova, ficamos sujeitos a avaliação daquele a quem a prova é dirigida. Alguns podem aceitar apenas um comprovante de residência no mesmo endereço, outros podem exigir uma sentença judicial de reconhecimento da União Estável. Há uma subjetividade na análise da prova.
A declaração de União Estável feita em cartório, como contrato, produz efeitos entre as partes, mas não impede que seja questionada por terceiro.
Sabemos, inclusive, que muitos planos de saúde e empregadores têm recusado a inclusão do companheiro ou companheira como dependente apenas com o contrato feito em cartório, por ser uma declaração de vontade das partes.
A segunda diferença, não menos importante, é o fato do Código Civil de 2002 ter tratado de forma diferente o casamento e a União Estável, uma vez que não concedeu aos companheiros a condição de herdeiro, mas sim de partícipe na herança. Aliás, o companheiro sobrevivente participa até com os sobrinhos do de cujus, nos bens adquiridos na constância da convivência.
A jurisprudência vem no sentido de aplicar a isonomia nas duas situações, entretanto, coloca o companheiro na obrigação ingressar na Justiça para conseguir exercer seus direitos.
Além das diferenças jurídicas, há também a questão psicológica. A cada conversão de união estável em casamento que realizamos, podemos constatar que não só o casal, mas também os filhos ficam mais satisfeitos. Nasce a sensação de que a família está ligada por laços mais fortes.
Tanto o homem quanto a mulher sentem-se mais seguros ao responder qual o seu estado civil. É como se não precisassem mais justificar o fato de não serem nem solteiros, nem casados.
Não podemos esquecer que a mulher casada tem o direito de registrar o filho em nome dela e do marido, ainda que ele tenha falecido durante a gravidez, sem precisar se socorrer da Justiça ou de qualquer outro meio jurídico. Basta apresentar a certidão de casamento.
GA- Então, podemos entender que é importante que os casais requeiram a conversão da união estável em casamento, certo?
RA – As pessoas quando optam em converter uma União Estável em Casamento, estão tornando legal uma situação que já é pública. Realmente o “amor” não precisa de “papel”. Porém, a certidão de casamento facilita o acesso e o exercício de muitos direitos. Por isso, no mundo atual em que a rapidez é sinônimo de segurança, é difícil admitir que as pessoas continuem vivendo na informalidade.
GA – Poderia esclarecer como é possível requerer a conversão de União Estável em Casamento? O processo é demorado e caro? E os casais que não tem recursos financeiros, como poderão fazer?
RA – Qualquer casal que vive em União Estável pode se dirigir ao Cartório do RCPN próximo de sua residência e requerer a Conversão da União Estável em Casamento. O procedimento é mais simples que o Casamento, pois esse último ainda é regulado pelo mesmo rito de 1916, repetido pelo Código Civil de 2002. Exige proclamas e editais. As custas cartorárias também são menores, mas em ambos os casos, aplica-se a Tabela da Corregedoria.
GA – Os casais homoafetivos que vivam em união estável também podem requerer a conversão em casamento? Os direitos são iguais?
RA – O CNJ determinou aos cartórios que apliquem o mesmo tratamento e procedimento aos casais homoafetivos que queiram converter a União Estável em Casamento. Portanto, aqueles que querem garantir o exercício pleno de seus direitos, sem qualquer questionamento, devem se dirigir ao Cartório, pois os direitos são iguais à todos, como determina a Constituição Federal.
GA – Você poderia dizer se a MP 664 que alterou algumas regras para benefícios da Previdência Social teria algum impacto sobre os assuntos que acabamos de comentar?
RA – É importante ressaltar que com a entrada em vigor da MP 664 de 30/12/2014, que alterou a Lei 8.213/91, o artigo 74, §2º, passou a exigir 2 (dois) anos de União Estável ou Casamento antes do óbito, para concessão de pensão ao sobrevivente. Isso reforça a necessidade de conversão da União em Casamento, pois os efeitos do Casamento retroagem ao início da convivência, o que vai fazer contar e aproveitar esse tempo.
O Tribunal de Justiça, desde 2010, mantém um Programa de Casamento Comunitário, do qual sou coordenadora, que, em parceria com os cartórios dos RCPN através da ARPEN, atende os casais hipossuficientes, realizando as conversões em casamento, de forma totalmente gratuita.
Assim, aqueles que não têm como arcar com as custas cartorárias podem se inscrever no Casamento Comunitário do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, através do telefone 3133-1881 e em breve poderão se inscrever pelo site que está sendo desenvolvido para esse fim.
Atendemos também nas Ações Sociais, nas quais o Tribunal de Justiça atua em parceria, seja em outras Instituições do próprio governo, como CBPM, Polícia Civil e agora Polícia Militar, ou com a FIRJAN e o SESI-Cidadania.
O objetivo é facilitar o acesso da população aos direitos e ao exercício pleno da cidadania, diminuindo a necessidade da atuação judicial na solução de conflitos que podem ser evitados.
Por Vinícius Mari
– Advogado do Escritório Bastos Tigre, Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.