Advogado que questiona a imparcialidade de juiz fere direitos de personalidade, diz TJ-RS

Jus 12

A imunidade profissional garantida ao advogado não o autoriza a cometer excessos, afrontando a honra de qualquer dos envolvidos no processo, seja o magistrado, a parte, o membro do Ministério Público, o serventuário ou o procurador da parte contrária. Por isso, petição que coloca em dúvida a imparcialidade do juiz, sugerindo que beneficia a parte adversa com despachos e decisões ‘‘ligeiras’’, fora dos procedimentos legais, viola direitos de personalidade, gerando reparação moral.

Com base nesse entendimento, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negou apelação a um advogado, condenado a pagar dano moral por usar expressões ofensivas no recurso que combateu o despacho do titular da 5ª Vara de Família e Sucessões de Porto Alegre. O colegiado, entretanto, diminuiu o valor a ser pago ao juiz — de R$ 30 mil para R$ 15 mil.

No primeiro grau, o juiz Heráclito José de Oliveira Brito, da 7ª Vara Cível do Foro da capital, disse que, de todas as adjetivações negativas que um magistrado pode ser alvo, uma das piores é o ataque à sua imparcialidade — que é a própria essência do juiz. Por isso, esclareceu, a lei põe à disposição da parte que não se conforma com suas decisões outros instrumentos processuais, como a possibilidade de ajuizar exceção de suspeição e/ou ação rescisória da coisa julgada, na qual a jurisprudência tem admitido a hipótese de suspeição ao lado do impedimento.

No entender do julgador, qualquer petição, atravessada em autos judiciais ou pela via recursal, que tangencie a imparcialidade do julgador merece a censura devida, caracterizando adjetivação pejorativa e difamatória do magistrado. ‘‘Não cabe cogitar, como quer a defesa, que assim foi feito em prol do interesse jurídico da parte constituinte, porquanto a insurreição do advogado deve sempre se dirigir à decisão e não à pessoa de seu prolator, e, em qualquer caso, limitar-se ao exame jurídico da controvérsia, demonstrando o erro ou a injustiça do que foi decidido’’, justificou na sentença.

A relatora da apelação na corte, desembargadora Íris Helena Medeiros Nogueira, concordou que as expressões foram ‘‘totalmente inapropriadas’’, pois o advogado poderia conseguir reformar a decisão combatida com o uso de outras palavras. ‘‘Ou melhor, poderia ter sido mais prudente ao aduzir questão sem qualquer prova, especialmente porque já havia providenciado denunciar o que entendeu por ‘estar errado’ em relação ao juiz à Corregedoria-Geral de Justiça e ao Conselho Nacional da Magistratura, meio adequado para seu intento, além do manejo da exceção de suspeição’’, complementou.

Para Íris, sugerir que o juiz deixou de ser imparcial porque uma das partes envolvidas é desembargador aposentado causa, sim, desconforto. Afinal, passa a ideia de favorecimento e gera desconfiança no agir daquele que deve primar pelo equilíbrio entre as partes. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 11 de novembro.

Disputa por honorários
O litígio entre o juiz Nilton Tavares da Silva e o advogado Paulo Roberto Canabarro de Carvalho ocorreu na fase de cumprimento de sentença de uma ação sucessória que tramita na 5ª Vara de Família e Sucessões do Foro Central de Porto Alegre (processo 1.09.0097600-8). Figuram como litigantes Antônio Mardini, sucessão de Ambrosina de Moraes Abreu e Carlos Alberto Alvaro de Oliveira — advogado, professor de Direito e desembargador aposentado do TJ-RS, já morto. Canabarro é o procurador de Mardini, que promove a execução.

Segundo o acórdão e a sentença, Mardini se desentendeu com Carlos Alberto, que patrocinava seus interesses. Em consequência do rompimento da relação advogado-cliente, o ex-desembargador pediu sua inclusão no polo ativo da execução, para buscar seus honorários de sucumbência — o que foi prontamente deferido por Nilton. Em outra oportunidade, o juiz atendera outro pedido do ex-procurador: o de que o bem penhorado nos autos da execução não fosse adjudicado para Mardini — credor originário — sem que antes se resolvesse a pendenga dos honorários.

‘‘Assim, oficie-se com urgência ao MM. Juízo deprecado, noticiando a presente decisão, solicitando, mais precisamente, que, ao menos por ora e enquanto não aclarados os respectivos créditos dos exequentes, não se autorize a expedição de carta de adjudicação em favor do arrematante. Intimem-se, modo mais célere possível (inclusive por telefone). Após, como o retorno dos autos, acoste a presente decisão e o petitório que a acompanha’’, afirma o juiz no despacho.

No afã de contestar a inclusão do ex-procurador como exequente, Mardini contratou Canabarro para representá-lo no processo. Como não obteve êxito, Canabarro ajuizou agravo de instrumento no TJ-RS, onde incorreu em ‘‘excesso de linguagem’’. No recurso, ao redigir o tópico número 3, utilizou-se da expressão “da preocupação do ex-procurador e do magistrado de primeiro grau com o réu. Violação do princípio da imparcialidade e demais regras comesinhas de Direito e Direito Processual”.

Mais adiante, no mesmo item, escreveu, em tom de questionamento: “Será que o cuidado extremo em favor do réu e que está sendo postulado pelo polo ativo do processo tem o magistrado de primeiro grau em relação aos demais processos em que atua?”. E concluiu com a expressão: “Como visto, a decisão agravada viola o princípio da imparcialidade do juiz (artigo 125, I, do CPC)’’.

Ação indenizatória
Os trechos do recurso deixaram o juiz Nilton Tavares da Silva indignado, pois não só questionaram sua imparcialidade como deram a entender que beneficiou o ex-desembargador, dando uma ‘‘tramitação privilegiada’’ ao processo. Para buscar reparação pelo ataque à sua honra, o titular da 5ª Vara de Família e Sucessões da capital ajuizou ação indenizatória por danos morais na 7ª Vara Cível da capital.

Chamado a se defender, Paulo Roberto Canabarro de Carvalho negou ter ofendido a honra pessoal do magistrado; ou seja, as afirmativas constantes nos trechos do agravo de instrumento, a seu ver, não transcenderam  o ‘‘mero debate’’ ou argumentação a favor do cliente. Disse que também não questionou a imparcialidade do autor, se insurgindo contra a decisão, independentemente de quem fosse o magistrado da causa.

Segundo o réu, o relator do agravo não levou em consideração o fato, pois, do contrário, teria mandado riscar as expressões. Garantiu que a expressão “parece que o magistrado está violando o princípio da imparcialidade” não quer dizer que seja, apenas parece. Por fim, afirmou que não houve dano moral, porque o autor seguiu jurisdicionando o processo, sem cogitar de hipótese de impedimento e/ou suspeição. Invocou os preceitos do artigo 133 da Constituição e parágrafo 2 do artigo 7º do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94) — dispositivos prevendo a inviolabilidade do advogado no exercício profissional.

 

CONJUR/TJRS

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