Espetáculo documental retrata a realidade de detentos, moradores de rua e recicladores de lixo
Diretor e elenco mergulham no universo de pessoas à margem da sociedade, por meio de longas entrevistas e períodos de vivências presenciais.
A dura realidade de pessoas negligenciadas pelo Estado e pela sociedade como detentos, recicladores de lixo e moradores de rua, dita o tom forte e se funde ao DNA visceral dos quatro atos de AUTÓPSIA, espetáculo que ganha os palcos do DF a partir do dia 8 de março.
Impulsionados por textos de Plínio Marcos (1935-1999), dramaturgo brasileiro que retratou em sua obra a brutal desigualdade entre camadas da sociedade e que deu voz aos marginalizados pelo Estado, elenco e diretor do grupo brasiliense Sutil Ato (12 anos) abandonaram a sala de ensaio, espaço que chamam de “um lugar privilegiado e de proteção”, para encontrarem a realidade contemporânea do legado de Plínio.
Dividido em atos, apresentados em sessões distintas, AUTÓPSIA exibe adaptações para “Quando as Máquinas Param”, “Navalha na Carne” e “Querô – Uma Reportagem Maldita”: no 1º Ato; “Dois Perdidos Numa Noite Suja” e “O Abajur Lilás”: no 2º Ato: “Balada de um palhaço”, “Barrela” e “A Mancha Roxa”: no 3º Ato: e “Oração Para um Pé de Chinelo” e “Homens de Papel”: no 4º Ato.
“Homens de Papel” provocou com que fossem ao Aterro do Lixão da Estrutural – uma montanha de lixo da altura dos prédios de Águas Claras. Lá, “fomos atropelados pela brutalidade com que aquelas pessoas vivem, pela violência a que estão sujeitas, pela negligência e pelo descaso enquanto oficio de recicladores, uma mão de obra barata e conveniente ao estado e à sociedade, por realizarem um trabalho que a gente não faz”, conta Jonathan Andrade, diretor do espetáculo.
Os encontros com estas pessoas que vivem do lixo “nos impactaram profundamente e abriu nossos olhos para uma vida de muito suor e que não chega ao nosso conhecimento”, recorda Jonathan. Nos relatos, entrevistas e conversas, narrativas brutais sobre disputas, estupros, roubos, ferimentos, que levam à invalidez, e mortes, por doenças ou atropelamentos dos caminhões que circulam no local.
Segundo o diretor, toda a dramaturgia do Ato IV de AUTÓPSIA, foi construída a partir da vivência, “do forte cheiro do chorume, do gás que exala sob o sol, e ainda, ao texto de Plínio Marcos, acrescentamos falas de recicladoras, como preferem se chamadas, e mais: foram elas quem montaram o figurino para este ato final do espetáculo”.
“Barrela” e “A Mancha Roxa”, textos do terceiro Ato de AUTÓPSIA, levou os integrantes do Sutil Ato ao encontro de ex-detentos e moradores de rua, cidadãos também esquecidos e deixados à margem. “Desde o início do ano passado (2017), que a gente está em contato com estas pessoas e todo o terceiro ato do espetáculo foi concebido com a consultoria deles e delas”, conta do diretor. Os textos originais de Plínio, também foram alterados e ganharam falas, “temos horas e horas de entrevistas em áudio e vídeo”, revela.
AUTÓPSIA IV e III, que trazem cinco textos de Plínio Marcos, são a continuação de dois outros atos anteriores, também de cinco textos, e cuja estreia foi em 2014. “Os Atos I e II verticaliza na palavra de Plínio, agora o Sutil (Grupo), assume uma dramaturgia original nossa”, diz Jonathan, e conclui: “a diferença destas novas montagens está na forma como a dramaturgia foi construída, trazendo a voz e a vivência das pessoas que Plínio retratava, por esta razão, tem uma pegada documental”.
Temporadas:
CCBB Brasília, de 08 a 11.03, às 21h. Ingressos a R$ 20,00, a inteira.
Teatro de Sobradinho, de 14 a 17/03, às 20h. Ingressos a R$ 20,00, a inteira.
SESC Paulo Autran, de Taguatinga, de 30/03 a 02/04, às 20h. Entrada franca.
Duração: de aproximadamente 100 minutos, cada sessão
Não recomendado para menores de 18 anos
Os textos:
AUTÓPSIA I: Quando as máquinas param – O cotidiano de um casal jovem, abalado pelo desemprego e desesperança. A chegada inesperada de um filho coloca a relação em cheque; Navalha na carne – O que está à espera de uma prostituta velha ao final de uma noite de trabalho? A trama e o conflito se desencadeiam quando, ao chegar em casa, ela se depara com seu gigolô exigindo grana. Dinheiro que ela teria que deixar para ele. Quem teria roubado? A prostituta, Neusa, entre solidão e desamparo, desabafa: “Será que a gente é gente? Será que eu, você, todo mundo que “tá” aqui é gente?”; e Querô: Uma Reportagem Maldita – No seu leito de morte, Querô, um garoto de rua que carrega o fardo da morte de sua mãe, suicídio por ingestão de querosene, em seu apelido, fala sobre sua vida despertando todos os fantasmas que sempre o perseguiram: miséria, violência, solidão, descaso, desesperança…
AUTÓPSIA II: Dois Perdidos Numa Noite Suja – O convívio entre dois homens em situação de precariedade. Seus sonhos? O que são capazes de fazer para conquistarem seus desejos? O que um tem, que desperta interesse no outro? O que as diferenças entre eles custa aos dois? Apenas um sobreviverá; e O Abajur Lilás – Uma cafetina, seu comparsa e três prostitutas. Um pequeno quarto, onde as recebem seus clientes e dormem, é o espaço para constantes disputas entre opressores e oprimidos. Cacos de um abajur, no chão, são o estopim para uma violenta discussão sobre. Alguém vai “pagar” com a própria vida.
AUTÓPSIA III: Balada de um palhaço – reflete pensamentos acerca da ética, da arte e da estética. Drama entre três personagens que dividem um único espaço, que pode ser um picadeiro de circo, um altar, a sala de um puteiro, o salão de um bar e até uma praça; Barrela – Conta a história de detentos, que dividem a mesma cela. A situação se agrava com a chegada de um jovem de classe média, preso durante briga em bar. O jovem é violentado pelos demais o que só acirra as discussões; e A Mancha Roxa – Seis mulheres confinadas em uma cela de uma penitenciária. Velhas, doentes, excluídas e consideradas a escória, elas vivem em total abandono. Descobrem que são portadoras do vírus HIV, menos uma. O fato de ela ser o negativo no meio das outras soropositivos, cria um sentimento de revolta que leva à tomada uma medida desesperada.
AUTÓPSIA IV: Oração para um Pé de Chinelo – Um retrato da violência, da luta pela sobrevivência, do medo, da marginalidade. Três pessoas nada parecidas, mas com algumas coisas em comum: cada uma com seu vício, cada uma com sua sina, cada uma vivendo o seu desespero. O quão esquizofrênica pode chegar a necessidade da confiança entre os ditos bandidos, e a desconfiança da delação que sempre vai existir entre eles?; e Homens de Papel – A rotina de um grupo de catadores que, revoltados com a exploração do intermediário, querem paralisar a coleta. Em meio a este cenário chega à comunidade um casal com uma filha doente. Os novatos, alheios à realidade do grupo, querem trabalhar para levar a filha a um médico.
Fotos: Sutil Ato., Laysa Vasconcelos, Thiago Sabino