Raio-x da amamentação : dados da OMS colocam Brasil em posição regular, mas mitos e mercado de trabalho ainda são entraves
Relatório da Organização Mundial de Saúde apontou que só 38,6 por cento dos bebês brasileiros se alimentam exclusivamente de leite materno nos primeiros cinco meses de vida – uma taxa considerada abaixo do ideal, mas regular em relação aos demais países monitorados pela OMS, e que já foi, no próprio Brasil, muito mais dramática.
O drama se desenrolou na década de 70, quando o crescimento da inserção da mulher no mercado de trabalho – mais o marketing patrocinado pela indústria do leite – provou o que o Ministério da Saúde chamou à época de “epidemia do desmame”.
O desprezo pela amamentação alcançou níveis tão drásticos que obrigou uma reação oficial: no começo da década de 80, o Governo Federal criou o Programa Nacional de Aleitamento Materno, com leque diversificado de ações: desde a criação da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humanos até a adoção do Método Canguru como política governamental, passando ainda por estratégias de sensibilização da opinião pública, com campanhas como a “Alimenta Brasil”, veiculadas na mídia.
A contraofensiva surtiu efeito: em 2013, por exemplo, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) sinalizou para a retomada da tendência de aleitamento materno no país, inserindo o Brasil no roll dos países bem-sucedidos na promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno. Detalhe: a média mundial de amamentação nos primeiros seis meses de vida fica em torno de 20% a 40%.
Dentro do conjunto de ações que voltaram a colocar a amamentação no foco das mães brasileiras estão iniciativas que partiram dos estados, a exemplo do Mãezinha Brasiliense, criado no Distrito Federal pela então primeira-dama Flávia Arruda.
Agora deputada federal, Flávia acabou de propor a versão nacional do programa, criando através de projeto de lei o Mãezinha Brasileira.
“O objetivo é cuidar, proteger, amparar e dar mais qualidade de vida às mães e bebês – e qualquer iniciativa neste sentido passa, necessariamente, pelo incentivo à amamentação”, defende a deputada.
Benefícios múltiplos
Entendimento firmado por organizações mundiais ligadas a saúde e proteção dos direitos das crianças – a exemplo da OMS e UNICEF – que atestam: a amamentação poderia evitar mais de 820.000 mortes de crianças menores de cinco anos por ano no mundo, protegendo-as de infecções e doenças crônicas como diabetes e obesidade.
Os estudos apontam, ainda, que o impacto também é positivo para a mãe, prevenindo contra o câncer de mama.
Peito, agora!
O cenário ideal, segundo OMS e UNICEF, é a amamentação imediata após o nascimento e o aleitamento materno exclusivo até os seis meses de vida do bebê. Só após esse período a mãe deve inserir outros alimentos como complementação ao leite. E, até os dois anos, o leite materno passa de protagonista a coadjuvante, servindo de complemento à alimentação da criança.
A insistência em bater na tecla da amamentação, ao longo das últimas três décadas, tem provocado ecos: ainda de acordo com OMS e UNICEF, na América Latina e Caribe, 15 em cada 20 bebês são amamentados na primeira hora de vida.
Mas o entendimento avança lentamente. Os organismos estimam que, em 2017, pelo menos 78 milhões de recém nascidos tiveram que esperar mais de uma hora para serem colocados no peito de suas mães.
E a Global Breastfeeding Scorecard, o ranking da amamentação da OMS, atesta que apenas 23 países no mundo superam a taxa de 60% de amamentação exclusiva nos primeiros meses.
Pouco dinheiro, muito incentivo
Além de figurar na média mundial, o Brasil aparece no ranking da OMS como uma nação que investe pouco na amamentação (menos de R$ 4 reais por bebê, quando o ideal, pelas contas da entidade, seria no mínimo R$ 18). Compensa os baixos investimentos, porém, com regulamentações e diretrizes governamentais destinadas a sensibilizar e amparar lactentes.
E a despeito dos avanços e conquistas, os especialistas garantem: ainda há um longo caminho a percorrer, especialmente junto a mulheres-trabalhadoras, que veem a exclusividade do leite materno voar pela janela ao fim da licença maternidade de quatro meses.
Para além dos problemas reais, entram em cena também os imaginários. A amamentação ainda é cercada, no Brasil, por mitos e inverdades que desestimulam mães a nutrir os filhos com seu leite.
Um deles – um dos mais recorrentes – é o de que, algumas mães seriam “sorteadas” com “leite fraco”. Veja, abaixo, os mitos mais frequentes, cultivados no país sobre a amamentação:
Leite fraco
Não há leite materno fraco – as composições são semelhantes para todas as mulheres.
O leite materno congelado não tem os mesmos nutrientes.
Não é verdade. O leite pode ser congelado por até quinze dias sem perder suas características e qualidade nutricional, desde que armazenado adequadamente.
Implantes de silicone e reduções mamárias impedem a amamentação.
Os procedimentos não impedem a produção de leite, desde as estruturas das mamas sejam preservadas.
O bebê pode ficar mal acostumado se não tiver horários para mamar.
A orientação do Ministério da Saúde é a amamentação sob livre demanda, ou seja: o bebê deve mamar sempre que desejar.
O leite do banco de leite pode não ser seguro.
A principal diferença entre o leite do Banco de Leite Humano para o leite doado diretamente por outra mãe é que no Banco de leite é tratado, pasteurizado e, por isso, não há possibilidade de transmissão de doenças.