Crônicas Urbanas – Rio de Janeiro, Recreio e outras histórias
Naquela época, Fabio Junior era um estreante no cenário musical e Gloria Pires fazia seus primeiros papéis em televisão. Estavam iniciando no mundo artístico e moravam na casa do pai de Gloria Pires, o ex-comediante Antonio Carlos, que faleceu à época. A casa, simples para os padrões dos vizinhos, ficava praticamente atrás do posto de gasolina onde desembarquei. Localizava-se há cerca de 600 metros da residência do meu tio, na Rua Gustavo Corção , 817, onde morei por cerca de três anos .
O artista, para quem não sabe, estreou em LP – Long Play – ( os discos de vinil da época) , em 1975, com o nome artístico de “ Mark Davis” . Era uma imposição da indústria fonográfica internacional que dominava países como o Brasil e impunha os hábitos e trejeitos estrangeiros para alavancar sucesso no mercado nacional. Entretanto, em 1979, quando tivemos aquele encontro-relâmpago, Fabio Junior já havia abandonado o antigo pseudônimo, ingressara no seleto time de artistas da gravadora Som Livre e começava a desfrutar do sucesso de canções como “ Pai” , “ Quero Colo” e “ 20 e poucos anos”.
Com o passar dos dias e a convivência no local, pude perceber que iria viver dias inesquecíveis e momentos históricos.Para um garoto de origem simples , aos 17 anos, as primeiras imagens foram impactantes: praias, belas casas, o encanto e a magia do Rio e a possibilidade de conviver com grandes artistas era instigante demais.
Fui notando, aos poucos, que havia desembarcado num celeiro de novos-ricos da burguesia e elite carioca e a cada caminhada que fazia em direção à Avenida Sernambetiba, rumo à Praia do Recreio e ao Pontal, dava de cara com novos monstros sagrados da telinha, do teatro e da MPB.
Não foram poucas as vezes em que me deparei com sambistas tradicionais, como João Nogueira ( “ Sou nó na madeira, lenha na fogueira que já vai pegar….) e Roberto Ribeiro ( “ Está faltando uma coisa em mim..que é você amor, tenho certeza, sim…”), tomando cerveja nos poucos butecos que existiam na região. Na época eu também gostava de uma cervejinha e quando menos esperava rolava uma roda de samba na mesa ao lado e não tinha como ignorar aquele ritmo inebriante. Nogueira era um tipo circunspecto, com seu rosto tomado por marcas de acnes , mas simpático com os seus parceiros. Ribeiro, por sua vez, era sempre solícito e muito atencioso com amigos e fãs. Naquela época não existia essa febre de pagode e o samba de raiz avançava pela Zona Sul e Zona Oeste.
A cantora Marlene – festejada pelos meus pais e considerada a “Rainha do Rádio” – também residia por ali. Volta e meia a via caminhando pequenos trechos, cabelos pretos escorridos e fisionomia fechada. Passasse 50 vezes por ela e nunca recebia ao menos um cumprimento. Nem um balançar de cabeça.
Gostava de ir à Praia logo cedo, pois estudava à tarde em Copacabana, na Rua República do Peru, 104. Minha aula começava às 5 da tarde – no odiado turno da fome – e em alguns dias eu nem me lembrava de ir almoçar. Ficava por ali para curtir o sol, apreciar a paisagem e, quem sabe, vislumbrar um outro artista de peso dando sopa por ali. E foi num desses dias de perambulação que descobri que era vizinho também de ninguém menos do que o Chico Buarque de Hollanda.
Fernando Correa da Silva é jornalista profissional e diretor do Blogdofernandocorrea .