Por Daniel Cardozo, Eduardo Brito e Millena Lopes
Depois de um mês de gestão, o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) tem certeza de que o caminho do governo está sendo dificultado por erros cometidos na administração anterior. Despesas vitais como a folha de pagamento estão subdimensionados e será necessário um grande esforço até a recuperação. “O que nós tivemos foi um misto de incompetência, irresponsabilidade e corrupção, que levaram o DF a esse nível de crise econômica e financeira”, criticou.
Mas já prevê mudanças, inclusive institucionais. Ainda para fevereiro, está previsto o envio do projeto de lei que regulamenta os conselhos de representantes comunitários em cada administração regional. Esse será o primeiro passo para chegar à eleição para administradores , promessa de campanha de Rollemberg.
Houve muitas surpresas ao longo do primeiro mês de governo?
Houve. Nós já sabíamos que íamos enfrentar uma situação de dificuldade, devido ao grande déficit financeiro. Mas sinceramente, não imaginávamos que a situação fosse tão caótica. O desequilíbrio financeiro do Distrito Federal é assustador, tanto do ponto de vista da dívida que herdamos, superior a R$ 3 bilhões – de salários, décimo terceiro, férias, horas extras, fornecedores, restos a pagar – enfim, como o desequilíbrio orçamentário também para 2015. O orçamento deste ano prevê despesa bruta com o pessoal de R$ 16,3 bilhões. Sem os aumentos previstos, já concedidos para 2015, a folha real é de R$ 19, 2 bilhões. Ou seja, mostra um déficit de R$ 3 bilhões para 2015. Com os aumentos concedidos fora a área de segurança, são R$ 600 milhões a mais. Isso demonstra que o orçamento do Distrito Federal para este ano é uma peça de ficção. Tanto os salários têm um descompasso, como vários outros programas. Por exemplo, o programa Jovem Candango tem um recurso que dá para um mês de programa. Várias ações tem recursos, no orçamento, que não chegam a maio. É mais uma demonstração do descontrole administrativo que encontramos.
A fórmula da antecipação de receitas é bem vista no governo?
Já no primeiro dia de governo, procuramos o ministro Joaquim Levy, solicitando a antecipação de uma parte dos duodécimos do Fundo Constitucional. O Ministério da Fazenda negou. Posteriormente, o Tribunal de Contas da União deu uma decisão considerando legal a antecipação. Nós voltamos ao Ministério da Fazenda, que tem um entendimento de que os repasses devem ser feitos sem antecipação. Por isso passamos a trabalhar com outro mecanismo, a antecipação de receita orçamentária. É importante registrar que nós tentamos aprová-la na Lei Orçamentária Anual, em dezembro, o que não foi possível porque o deputado Chico Vigilante (PT) foi contra. Agora estamos tentando aprovar a antecipação, mas ela precisa ser paga no mesmo exercício, tem juros que não são baratos e o governo precisa mostrar qual será a receita adicional que teremos para pagar a dívida. Para viabilizar a antecipação, é preciso aprovar os projetos que aumentam a receita do DF já para 2015.
Sindicalistas chegaram a dizer que existia uma estratégia de superestimar a crise para justificar o aumento de impostos. O GDF está valorizando demais os problemas financeiros?
Tudo que nós gostaríamos é que a crise fosse menor do que é. Isso permitiria que o governo iniciasse mais rapidamente os projetos que vão efetivamente melhorar a qualidade de vida da população e que são os nossos compromissos de campanha. A situação é gravíssima e nós estamos usando de toda a transparência possível. Tanto é que mostramos para Tribunal de Contas e Tribunal de Justiça porque tomamos a medida de escalonamento de salários, mostramos o fluxo de caixa que temos, que não permitiria o pagamento de uma vez. É claro que o tribunal só admitiu essa modalidade porque ficou convencido de que não havia recursos para isso. Agora, estamos investindo na transparência, criamos conselho para isso, composto exclusivamente por entidades da sociedade civil. Porque queremos a participação da sociedade, para olhar as contas e construir junto conosco alternativas para melhorar, reduzir gastos da máquina pública. Eu digo que despesa é que nem unha, se não cortar, cresce. Nós temos que cortar as despesas permanentemente e já cortamos muito. É importante que a sociedade nos ajude a definir onde devem ser feitos esses cortes, mas também precisamos aumentar as receitas. É importante registrar que precisamos simplificar as informações do Siggo, por exemplo. Se a pessoa não for especialista, ela não entende as informações. Primeiro porque aquilo é um sistema contábil, que pode mostrar recursos que já não estão mais disponíveis. Depois, a pessoa precisa entender que existem fundos com destinações específicas e não podem ser utilizados para determinadas ações. Na conta única do Tesouro, o saldo disponível quando assumimos o governo era de R$ 64 mil.
Houve uma atuação exagerada ou até vingativa dos sindicatos durante seu primeiro mês de governo?
Não. Eu acho que o papel dos sindicatos é esse, reivindicar. Eu já na primeira semana de governo recebi todas as lideranças da área de saúde e educação, abrindo o diálogo mostrando com muita tranquilidade e usando de muita sinceridade. Por exemplo, havia uma preocupação dos sindicatos de considerar férias, décimo terceiro e horas extras de exercício findo. E isso dificultaria o recebimento. Nós dissemos que não, mas reconhecemos a dívida e vamos pagá-la. Por outro lado, poderíamos não ter avisado naquele momento do escalonamento de salários, mas entendemos que era uma questão de sinceridade e transparência avisar que o governo não teria condições de fazer os pagamentos todos juntos.
A base de apoio na Câmara Legislativa está se tornando similar à do governo Agnelo, com as negociações com o PMDB, por exemplo. Como vai ser a relação com o Legislativo?
Estamos conversando com todos os partidos políticos, dispostos a conversar com todos, para apresentar as situações políticas e econômicas do Distrito Federal e as medidas que estamos apresentando, independentemente de fazer ou não parte da base. Fizemos questão de anunciar de anunciar em um espaço democrático, o Conselho de Desenvolvimento Econômico, onde foram convidados todos os parlamentares, de todos os partidos. Depois convidamos todos os distritais à Residência Oficial para explicar todas as medidas. Os parlamentares do PMDB foram. O que estamos colocando é que um Pacto por Brasília. São medidas duras, mas necessárias, embora insuficientes. Teremos que criar outras para enfrentar a crise.
O senhor pretende ter uma base de mais de 20 deputados?
Para nós, o tamanho da base é indiferente. O que importa é que tenhamos uma Câmara Legislativa consciente da importância dos projetos e estamos abertos ao debate. Nossa expectativa é ter uma base de no máximo 16 deputados.
Vai haver mais aumentos de impostos?
Não. O que nós tínhamos que significava aumento de impostos são as primeiras medidas. Mas estamos buscando outras medidas que contribuam para buscar recursos no Distrito Federal. Vamos fazer um mutirão com a corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, para fazer um mutirão de execução, cobrando dívidas atrasadas do IPTU. Estamos estudando uma nova remodelagem no fundo de securitização das dívidas. Enfim, outras medidas que possam permitir o aumento na arrecadação.
O Pacto por Brasília foi bastante criticado até mesmo pelo PDT, que está entre os seus aliados. Como o senhor pretende lidar com essas insatisfações?
Com muita naturalidade, no ambiente democrático de respeito das opiniões divergentes. Hoje tivemos uma reunião com mais de duas horas, com o senador Cristovam Buarque, com o presidente do PDT, discutindo outras sugestões de medidas do partido. Fiquei muito satisfeito, porque estamos no caminho certo, são medidas que já estão sendo estudadas pelo governo.
Os impostos sobre medicamentos serão ainda mais diminuídos?
Nós temos o compromisso de acabar com os impostos sobre remédios. É importante, e a população sabe disso, que quando se apresenta um compromisso de campanha, temos quatro anos para cumprir esses compromissos. Seria uma insanidade nesse momento em que o Distrito Federal precisa aumentar a arrecadação, retirar os impostos sobre remédios. Na nossa proposta estamos reduzindo o ICMS sobre remédios e produtos da cesta básica, de forma a buscar justiça social.
Dentro do pacto ainda não está prevista a regularização fundiária como fonte de receitas. Essa não seria uma saída para arrecadar?
Sim. Tenho convicção disso. Está dentro do nosso propósito, mas sabemos que isso não é uma coisa muito rápida. Tenho agendada uma reunião para tratar disso. O governo não está parado. Em 30 dias de governo, conseguimos um acordo de cooperação com o Ministério da Saúde, que já encaminhou 17 profissionais e pode encaminhar mais especialistas para rever o modelo de gestão da saúde. Até por que, do jeito que a saúde está organizada no Distrito Federal, pode-se botar mais R$ 1 bilhão que o dinheiro vai sair pelo ralo e não vai haver benefícios.
A fusão das administrações enfrentará resistências na Câmara e já houve o recuo da divisão da Ceilândia. O governo pode desistir de mais alguma mudança?
É natural do processo político. Estamos em um ambiente de necessidade de redução de gastos. Precisamos reduzir o número de administrações. É claro que não vamos comprometer os serviços dessas cidades. Pelo contrário, elas vão exigir de nós uma atenção especial para que tenham serviços adequados. No caso da Ceilândia, não tenho dúvida que do ponto de vista administrativo seria benefício para a cidade ter duas administrações. Ceilândia é uma cidade muito grande e seriam mais serviços perto da população. De fato, foi mal compreendido pela população e nós resolvemos deixar isso para outro momento. Até porque isso contribui para a economia que estamos fazendo.
Então ainda existe a possibilidade de dividir Ceilândia?
Não. Por ora, Ceilândia ficará com uma administração apenas. O projeto que encaminharemos à Câmara nós manteremos apenas um administração.
Qual a avaliação da trabalho dos administradores?
Primeiro que é fundamental rever o modelo de organização das administrações regionais do DF. É preciso rever qual é o papel das administrações regionais. Elas precisam de um número maior de servidores concursados. Existiam administrações quase completamente formadas de cargos comissionados. Isso tudo só fez crescer em mim a convicção de que é importante a eleição direta para administrador. Precisamos construir adequadamente esse modelo, mas estou convencido de que quem tem que escolher o administrador é a população.
A eleição direta pode acabar com a guerra travada pelos deputados, para a indicação de administradores?
Eu acho que eleição direta permitirá um debate mais acentuado com foco na cidade, nas melhorias da cidade. A população ao escolher o administrador vai participar desse debate e conhece quais as pessoas que têm liderança. Mas vamos encaminhar à Câmara Legislativa o projeto de lei que regulamenta os conselhos de representantes, previstos na Lei Orgânico do Distrito Federal. É uma oportunidade de que as pessoas com representatividade sejam ouvidas e de dar mais capilaridade à interação entre governo e sociedade.
Já existe previsão de quando será enviada à Câmara a regulamentação dos conselhos?
Dos conselhos, sim. Queremos enviar rapidamente. Provavelmente agora, já em fevereiro. O de eleição direta para administrador regional será depois dessa discussão. Queremos discutir com a Câmara e a sociedade.
Agora que já existem indícios de gastos excessivos feitos pelo governo passado, que leitura o senhor faz da gestão Agnelo Queiroz?
Faço uma leitura com muito mais profundidade e convicção do que sabia ao longo da campanha: que o Distrito Federal viveu um apagão de gestão. O que nós tivemos no Distrito Federal foi um misto de incompetência, irresponsabilidade e corrupção, que o levaram a esse nível de crise econômica e financeiro.
Existem planos para o Mané Garrincha?
Temos que pensar o complexo esportivo como um todo. Eu entendo que ele deve ser fruto de uma concessão de uso. O patrimônio permanece público, mas administrado por um consórcio privado.
E o Centro Administrativo? Como estão as negociações com o consórcio?
Eu diria que estão suspensas. Nós estamos avaliando no momento qual a melhor alternativa para nós e queremos proximamente nos reunir com o consórcio para renegociar os termos do acordo. É uma outra demonstração da irresponsabilidade a que me referi. O governo, no dia 31 de dezembro, após demitir vários funcionários que se recusaram a assinar o habite-se, receberu um prédio que não está pronto.
Fonte: Jornal de Brasília