Em entrevista coletiva, Dilma diz que vai até o último minuto

Dilma rechaça clima de ‘já ganhou’ da oposição: “Vou até o último minuto”

A quatro dias da votação do impeachment no plenário da Câmara dos Deputados, a presidente Dilma Rousseff faz questão de admitir publicamente apenas uma possibilidade: ficar no cargo para o qual foi eleita

postado em 14/04/2016 06:00 / atualizado em 14/04/2016 06:32

Ana Dubeux

Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

A quatro dias da votação do impeachment no plenário da Câmara dos Deputados, a presidente Dilma Rousseff faz questão de admitir publicamente apenas uma possibilidade: ficar no cargo para o qual foi eleita. Numa entrevista a 10 jornalistas, na manhã de ontem, na sala do quarto andar do Palácio do Planalto, ela rechaçou o clima de “já ganhou” da oposição, referiu-se a Sérgio Moro, o nome mais popular da Lava-Jato, como “o juiz”, e acusou seu vice, Michel Temer, e Eduardo Cunha, presidente da Câmara, ambos do PMDB, de serem sócios no “golpe”.

Durante duas horas e 20 minutos, quis provar que está firme no posto. No centro de grande mesa de madeira redonda, escorada por fotos da filha e do neto, três vasos de orquídeas e dois umidificadores de ar, manteve a altivez e até a ironia, referindo-se como “minha querida, meu querido” a quem lhe dirigia perguntas mais incômodas. De início, avisou que não seria uma entrevista “comportadinha” e passou recados claros — o mais importante deles é que vai lutar até o último minuto. Sem deixar explícito, entretanto, se o governo vai judicializar o processo no STF. “Eu não te garanto ainda o que nós vamos fazer (judicializar) porque eu ainda não tenho completa avaliação do jurídico do governo. Não sei quando faremos, se faremos.”

Vestida com uma camisa preta de bolinhas brancas e calça preta, disse que tem mais fôlego e disposição em dias tensos. Não toma remédio tarja-preta e tem dormido bem. “Você acha que alguém que está mal anda de bicicleta e faz musculação todo dia?” Admitiu, no entanto, cansaço. “Desde que o dia raiou em 2016, não tenho sossego.”

Às críticas, responde no mesmo tom. “Não posso ficar fazendo autocrítica porque não muda uma vírgula da realidade.” Não referenda as alfinetadas do próprio PT sobre perdas dos trabalhadores em seu governo. Mas reclama da “espetacularização”, pela imprensa, da Operação Lava-Jato. Assume a crise econômica, mas atribui a dificuldade de sair dela ao emaranhado político, embora não exclusivamente a ele. Há clareza sobre os inimigos. Ironizou o vazamento do discurso do vice Michel Temer, que “ensaiava” quais seriam suas palavras ao assumir a Presidência. Acredita que foi uma divulgação deliberada.

A matemática do governo permite planos para segunda-feira. Caso o impeachment não passe, está na agenda um grande pacto para tirar o Brasil da crise, “sem vencedores e derrotados”, com todos os setores da sociedade, inclusive a oposição. Se nada caminhar como planeja, se todas as instâncias forem testadas, só aí ela admite ser carta fora do baralho.

Se superar o impeachment, como será a política econômica?

Estamos diante de uma situação em que há uma interação entre uma instabilidade política extremamente profunda, que há 15 meses afeta o país, e a política e a crise econômica. Não digo que a crise econômica derive integralmente da política. Acho que ela é intensificada. A nossa capacidade de recuperação se mostrou limitada pela crise política. A crise econômica  primeiro atingiu os países desenvolvidos e depois atingiu os países em desenvolvimento. Mas tem características próprias do Brasil. Não acredito que se devem fundamentalmente à política que adotamos a partir de 2009 as nossas mazelas. O Brasil tem várias disfunções ainda.

Quais as disfunções?
Nós vamos ter de olhar e fazer reformas. Para o país fazer reformas, há que ter unidade. Não é possível pauta-bomba. Para cada vez que há pauta-bomba, o govertem que parar a ação legislativa e  vetar, depois de vetar, vai barrar o veto no Congresso. Então, a primeira coisa de disfunção que tem que haver no país é o fim das pautas-bombas e, portanto, o fim do uso de expedientes políticos para paralisar o governo. Nós tivemos esse processo durante 15 meses. Desde a minha eleição.

Isso não é um reflexo de um governo que não controla a sua base?

Nós temos um sistema político com algumas características. No passado, para um governo fazer maioria, você precisava de três partidos. Foi assim que Fernando Henrique governou. O Lula precisava de menos partidos também em relação ao meu governo. No início do meu segundo mandato, tínhamos 28 partidos. Mas isso coloca a necessidade junto com uma outra característica dos partidos. O nível de unidade dos partidos é diferenciado. Você tem várias pendências dentro do partido, incidências e determinações dadas por estruturas regionais, por adoção de uma frente. Tem frentes parlamentares diferenciadas. Então, supor que a alguém no Brasil pode estruturar uma política sem haver uma reforma política profunda será muito difícil. Eu acho que até é possível tentar, conseguir e alcançar um pacto. Agora, é importantíssimo que não se tenha a forma de organização que há na Câmara dos Deputados com o atual presidente da Câmara dos Deputados.

Que presidente?
O presidente da Câmara dos Deputados. Esse presidente é um grande responsável pelas pautas-bombas. É um grande responsável pela não votação de reformas, a não ser aquelas que ele considera adequadas, que nem sempre coincidem com a visão do governo.

Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

Presidente, nesta condução no Congresso, a senhora não faz nenhuma autocrítica hoje, pelo menos nesse segundo mandato, para a base ser esfacelada dessa forma?
Você sabe que eu acho que a base não se esfacelou. Não adianta se forçar uma visão tradicional de partidos. Não é assim que funciona o Brasil. A não ser que se tenha uma visão absolutamente idealista de partido político, ninguém vai entender como é que funciona a atividade parlamentar no Brasil. Não estou falando de mazelas. Estou falando que há diferenças partidárias. Não são partidos, vamos dizer assim, ideológicos, na tradição da palavra na qual se faz um acordo parlamentar como se faz na Inglaterra, na França… Você está vendo também nos Estados Unidos uma certa divisão pronunciada dentro do partido republicano. Vocês adoram que eu faça autocrítica. Não posso ficar fazendo autocrítica só para contentar porque não muda uma vírgula da realidade. Então, ou nós percebemos que há um processo complexo, bem complexo, no presidencialismo, na relação do presidencialismo com o Congresso, ou nós vamos acreditar em contos de fada. Tecer um pacto no país nessas circunstâncias que vivemos sem a legitimidade do voto, tentando transformar o impeachment em uma eleição indireta de quem não tem voto. Uma eleição indireta perigosíssima porque não resolve os problemas do país. Então, a primeira coisa é apoio popular através de voto. Voto popular. Impeachment está previsto, sim, na Constituição. Só que o impeachment previsto na Constituição tem de ter base legal. Não dá para fazer o salto no escuro do impeachment fraudulento sem base legal, que marcará profundamente a história do presidencialismo no Brasil.

A senhora fala como se fosse uma coisa que a gente…
Não, não. Eu estou falando daqueles que fazem isso que têm de saber as consequências do seu ato. Que estão ocultas. Por que eu tenho que falar? Porque eu não vejo nenhum grande órgão grande de imprensa dizer: “Bom, é golpe”. Não vi. Vi só alguns articulistas. Então, quando eu estou falando isso, estou fazendo uma coisa que, como presidente, eu tenho de fazer. Eu tenho responsabilidade de fazer. Estou fazendo uma denúncia. Tem um estado de golpe sendo conspirado no Brasil. Tanto aqueles que agem a favor abertamente como os que agem ocultamente, e tem aqueles também que se omitem. Todos serão responsáveis pelo fato de que não se pode supor que certos atos políticos são sem consequência.

Quem especificamente?
As pessoas que se omitem. Porque o resto a máscara caiu, a fantasia foi rasgada e não fui eu que disse. É só ler as declarações. O vazamento. É interessantíssimo. Eu nunca vi você vazar para si mesmo, né? Se vaza para si mesmo. Essa parte eu nunca vi. O vazamento para si mesmo é algo fantástico. Você não é nenhum ingênuo e sabe que foi tratado como vazamento. Quando não foi um vazamento. Era uma manifestação deliberada nunca antes vista na história do mundo. Quando um processo está em curso e alguém tenta sem olhar o resultado fazer um discurso de posse. Eu chamei de golpe, chamei de chefe do golpe e de vice-chefe do golpe. Só não sei quem é o chefe e quem é o vice-chefe. Eu não sei e vocês também não sabem. Acho que são associados. Um não age sem o outro. Uma parte do golpe ela depende do presidente da Câmara. Diretamente do presidente da Câmara. E aqui ninguém é ingênuo. Ninguém. Eu não vou fazer, vocês não pensem, uma entrevista muito bem-comportada. Não se pode mais ter pauta bomba.

A pauta-bomba é mais contra o povo do que contra o governo.

Pois é, mas geralmente a pauta-bomba cai em cima do povo a curto prazo, a médio prazo, ao cair sobre o orçamento público, ela inviabiliza a estabilidade fiscal, que lança para o conjunto da economia sinais muito negativos. Então, no médio prazo, acaba resultando em uma conta que o povo pagará que só é vista à posteriori, mas no curto prazo recai sobre o governo, aí o governo é responsável por não ter estabilidade fiscal. É óbvio que eu fui eleita com uma plataforma que não fala, em momento algum, que nós achamos que o Estado só tem que tratar de saúde, educação e segurança, nós não achamos isso, não, tanto é assim que nós fizemos um programa como o Minha Casa Minha Vida. Hoje, nós temos cerca de 4,2 milhões contratados e 2,4 milhões de moradias entregues e, em construção nós temos 1,5 milhão, e lançamos agora a segunda parte, dois milhões. Isso é importante não só do ponto de vista social, mas do ponto de vista econômico. Por que não fazer um programa como o Minha Casa Minha Vida que não cria bolha imobiliária, que assegura, para a população de baixa renda, pela primeira vez o acesso à casa própria? Que tira uma porção de gente das moradias de alto risco, que transforma muitas, e aí interessa a nós mulheres, muitas famílias que hoje no Brasil são dirigidas por mulheres? E que transforma essas famílias em famílias mais estáveis, onde as crianças podem ser cuidadas? Eu acho que isso é fundamental, não é fundamental fazer um programa de integração hídrica e de segurança hídrica em algumas regiões do Brasil, principalmente no Nordeste? Na saúde acabou a discussão sobre o Mais Médicos, mas tem 18.800 médicos atendendo a população hoje, tem 1,2 milhão de cisternas distribuídas no Nordeste. Um Estado como o brasileiro, se tiver o mínimo de inclusão, tem política social que tem que ser feita sim e tem política social que tem a ver com política de infraestrutura. Agora, pegar o Brasil e achar que se resolve o problema dos brasileiros e do país ignorando a quantidade de atrasos, de herança maldita, de anos e anos em que uma parte da população foi retirada dos benefícios da riqueza, é ter uma proposta completamente dissonante da realidade. Nós temos uma experiência muito boa em concessões e acho que as empresas brasileiras construtoras têm que ser encaradas como agentes de desenvolvimento e não como agentes de corrupção. Tem que se impedir que se demonizem as empresas porque nós precisamos das empresas que constroem. Agora, isso é uma coisa, outra coisa é falar o seguinte “Investiga quem tiver que investigar, mas não destrua a empresa” não faça isso.

A senhora falou da incapacidade  de construir uma base …
Não, eu disse o seguinte, querida, que esse sistema político nos incapacita de construir uma base estreitinha, curtinha e pequena, que nós precisamos de uma base mais ampla. Uma base mais ampla sempre tem movimentações diferenciadas e se você soma isso ao fato de que, em cada partido, você tem várias tendências, várias pessoas votando de maneira diferente, você tem uma situação que tem que ser encarada no Brasil.

A senhora admite convocar novas eleições diretas abrindo mão de parte do seu mandato?

Eu não vou, neste momento, ficar discutindo uma hipótese, principalmente uma hipótese que contraria o que eu acredito. Acredito que nós temos todas as condições de ganhar no Congresso Nacional. Acho que o resultado que nós obtivemos na comissão, diferente do cantado em prosa e verso, é um resultado importante, 41,5%. Se você fizer uma projeção, dá 213, se der um desconto, você ainda fica na faixa de conforto. Eu acho que o governo vai lutar até o último minuto por uma coisa que nós acreditamos que seja factível, que é ganhar contra essa tentativa de golpe que estão colocando para nós através de um relatório que é uma fraude. O relatório tem momentos que são estarrecedores. Aliás, eu acho que o José Eduardo Cardozo foi muito feliz quando disse que talvez a melhor defesa ao meu favor seja a qualidade daquele relatório. Então, eu acredito no seguinte: eu não vou tratar as pessoas que discutem dessa forma como eu trato as pessoas que estão discutindo o golpe. A pessoa que está propondo, em que pese eu considerar que o meu mandato, a Constituição diz o dia que começa e o dia que termina, eu respeito uma proposta que passe por outra eleição que tenha voto popular. O que eu não respeito, o que eu acho que nenhum de nós pode aceitar, que nenhum de nós pode concordar, é um impeachment sem base legal. Um impeachment sem base legal fere a nossa democracia, é um atalho para o poder daqueles sem-voto e que não vão se submeter a uma eleição porque não serão sequer considerados, porque não têm os requisitos necessários para se apresentarem como tal. Podem, porque são brasileiros natos, se apresentarem, eu não estou falando do direito de eles se apresentarem, eu estou falando na questão de atrair apoio.

Depois da comissão, há um efeito manada dos parlamentares?

Eu acho interessante essa preocupação com ministros do meu governo, muito interessante. Porque tem hora que vocês são mediúnicos, vocês falam o que eu penso, e eu olho no espelho e digo: “Eu não pensei isso”. Tem hora que eu não aprovo, não. Eu acho fantásticas as falas sobre fontes do Planalto, o Lula dizia que tinha um anão ali embaixo. Ele vivia ali e era um anão cheio de opinião. Esse anão não morreu, não. Mas vou te falar uma coisa, eu acho que nós agora, nesta reta final, estamos sofrendo e vamos sofrer uma guerra psicológica, que é o seguinte: eu tenho uma lista que ele não tem. Este será um processo que tem um objetivo, construir uma situação de efeito dominó, de um lado. Do outro lado, é muito difícil neste momento dizer o seguinte: um partido desembarcou do governo. Veja que se têm situações as mais variadas possíveis, os partidos saem do governo e as pessoas ficam, se tem variações, não se tem uma relação tão linear entre o líder e os liderados e essa também é uma característica do sistema político do Brasil, que torna extremamente complexa a análise da realidade, e extremamente complexo o jogo político, e que as pessoas de fato se situam e como é que isso é feito, nós estamos projetando numa situação de tensão. O que é uma situação de tensão? É quando todo mundo está tensionado porque vai votar, vai se explicitar. Então os 41,5% são um momento, vamos dizer, da verdade, a hora que onça bebe água. Então eu tenho de utilizar este indicador. É óbvio que, com o passar dos dias ele vai ter de ser refeito, reavaliado e o governo faz isso, reavalia, olha. Todo mundo hoje analisa, agora eu gosto muito é de certos placares: 248 contra 101 (no plenário). Eu acho fantásticos certos placares, eles têm um objetivo.

Quando a senhora fala que o governo lutará até o último minuto, a senhora está falando do Congresso ou da judicialização?
Nós sabemos todos os equívocos, todas as falhas, todas as irregularidades, todas as evidentes violações da defesa praticadas pelo rito imposto pelo senhor presidente da Câmara. Porque não tenham dúvida de que o senhor presidente da Câmara impôs o rito. O rito que para mim é um, e para ele é outro.

O rito não é o do Supremo?

O rito do direito de defesa, não. O rito de defesa meu é completamente diferente do rito de defesa dele na Comissão de Ética. O ministro José Eduardo Cardozo fez uma fala muito clara sobre isso na última vez que nós tivemos a oportunidade de nos manifestar. Agora nós estamos trabalhando em todos os momentos para que a gente tenha condição de reverter esse quadro no Congresso. Eu não te garanto ainda o que nós vamos fazer porque eu ainda não tenho completa avaliação do jurídico do governo. Não sei quando faremos.

Não tem ainda?
Não tenho ainda avaliação. Nós não sabemos se vamos, quando vamos, se formos.

Na suposição de que eles assumam o poder, há risco de uma guerra institucional?
Eu não acho que seria adequado fazer uma análise sobre isso. Agora eu quero te dizer o que eu penso sobre a relação do Executivo com o Judiciário, com o Ministério Público e com a Polícia Federal. Eu acho que o Brasil, apesar de ser uma jovem democracia, tem uma razoável independência entre os poderes. Esta independência em relação ao Supremo Tribunal Federal é bastante clara em relação à estrutura do Judiciário, do ponto de vista federal, idem, acho que a autonomia dos ministros, a independência dos poderes e a soberania do Supremo Tribunal Federal é inconteste. Não acredito que haja qualquer dúvida a respeito dessa situação em relação ao Supremo Tribunal Federal. Não acredito também que nós tenhamos no Brasil uma fragilidade no que se refere às demais instituições, até porque elas ganharam isso ao longo do tempo. No caso do Ministério Público, a base é a Constituição de 1988 e que garante aos procuradores autonomia para investigar perante, inclusive, o procurador-geral. Eles tem autonomia e todo o Ministério Público, o federal e o da União, seja ele o Ministério Público do Trabalho ou seja o Ministério Público, este que é chamado Ministério Público Federal. A Polícia Federal também tem essa atribuição de autonomia. O que eu acho que é interessante avaliar não são os poderes, é como se comportará a imprensa diante da continuidade. Eu não estou falando só em relação a nenhuma hipótese de outro governo que não o legitimamente eleito, estou falando o seguinte: o que fará a imprensa? O meu impeachment não passando, o que fará a imprensa? A espetacularização vai continuar? Da investigação? Uma coisa é investigar, outra coisa é a espetacularizar da investigação.

Mas espetacularização é universal…

A espetacularização é um instrumento político.

Mas ela é universal.
Só que tem uma coisa: vaza provas nos Estados Unidos para ver o que acontece. Se a prova não está ainda em condições de ser vazada, anula o processo. Segundo: grava o presidente da República sem autorização do Supremo para ver o que acontece. Eu fui investigada, virada do avesso, eu não estou com o impeachment sobre contas, uma contabilidade esotérica. E sabe por que é uma contabilidade esotérica? Porque a política é que fez aquele processo. Sabe por quê? Porque todos os que me antecederam usaram dos mesmos processos, todos os governadores usam dos mesmos processos. Essa contabilidade de dois pesos e duas medidas que usaram contra mim evidencia que não acharam outro motivo para tentar forçar o meu impedimento. Então, eu repudio todas as tentativas de me ligar a atos que pratiquei, que nunca pratiquei. E qual é a dificuldade comigo? A dificuldade é que sabem disso. Então, o jogo é um jogo muito difícil, a espetacularização, inclusive, significa vazamento dirigido, que não pode e que não tem base legal para ocorrer. E a gente sabe disso.

Ainda é possível um pacto?

Eu já tentei, agora te digo qual o meu primeiro ato pós-votação na Câmara: a proposta de um pacto de uma nova repactuação entre todas as forças políticas, sem vencidos e vencedores.

Teria um programa para fazer pacto…
Nós já mandamos várias coisas para a Câmara, eu acho que o primeiro item é que nós vamos dialogar.

O que a senhora vai oferecer para a oposição…

Eu vou oferecer um processo de diálogo…

E questões econômicas e sociais, como ficam?
Nós temos de olhar todos os lados do Brasil. Mas sem respeitar as conquistas já adquiridas, não se terá paz social no nosso país. Se não se colocarem na mesa também trabalhadores e empresários, se não se fizer isso… O pacto não é só com a oposição, o pacto é com todos aqueles… As forças econômicas e as forças que são representadas nos movimentos sociais. Veja uma coisa interessante. Nos últimos dias, houve uma reorganização das forças políticas de uma forma intensa no Brasil, e essa reorganização se deu em torno de uma questão fundamental, que é a questão democrática. Este processo é um processo crescente. Vejam vocês que nós temos tido demonstrações de pessoas que não estão apoiando o governo. Não é que as pessoas sejam acríticas em relação ao governo e falam que este governo fez tudo certinho, não é isso, não. As pessoas não são acríticas, o que elas estão defendendo é um processo, elas não estão defendendo A, B ou C. Elas estão defendendo um processo democrático. Tem outros que estão defendendo também um projeto, mas a maioria do que nós vemos como manifestação a nosso favor é no sentido da garantia do processo democrático, o que mostra uma grande maturidade política das forças sociais no Brasil. A última manifestação no Rio dos artistas é muito significativa. Eu tenho feito em menor escala, aqui dentro do palácio, vários encontros; fiz um ontem com a educação, todos reitores tanto das universidades federais como dos institutos federais de tecnologia. Junto com professores, agentes de educação e com o pessoal da UNE. Isso eu acho que é o ponto de unidade, tem um lado desse processo que é um lado muito forte da democracia, da garantia da democracia. Acho uma situação muito complexa hoje, porque também tenho recebido uma série de relatos sobre situações muito extremas de manifestações preconceituosas de ódio. A mais grave é uma de uma médica que abriu mão de cuidar de uma criança recém-nascida, o que eu acho que não é possível chegar a esse ponto.

A senhora está dormindo à noite?

Este negócio de estado de espírito é engraçado. Eu quero perguntar uma coisa a vocês. Vocês todos aqui são normais. Alguém que está muito ruim levanta e vai andar de bicicleta às dez pras seis, 50 minutos? Você acha que é possível? Eu durmo, eu durmo bem-dormido e não tomo remédio. Se eu tomar um remédio para dormir, tem um pequeno probleminha, nunca mais vão me ver acordada, porque eu durmo muito fácil. Eu não durmo cedo, mas eu começo a ter sono ali pelas dez e meia da noite.

Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

A senhora dorme o sono dos justos?
Eu durmo. Mas tem isso também, se eu achasse que eu tivesse cometido alguma coisa que merecesse tudo isso, mas eu acho que eu não fiz. E mais, eu sou uma pessoa que eu tenho uma grande competência quando aumenta a tensão, e a minha fraqueza é quando eu relaxo, porque aí eu fico muito normal. A gente tem que ser, para ser presidente e aguentar a tensão, um pouco acima, uns dois degraus de tranquilidade quando a tensão sobe muito. A tensão é muito grande. Eu fico muito feliz quando não estou tensa. Mas quando  não estou tensa, mas estou muito feliz, eu estou muito normal, sou igual a todo mundo. Quando eu estou tensa, eu sou presidente da República. Porque não há na história do mundo um presidente da República que não viva sob tensão.

Mas uma tensão igual a essa…

Não sei, se for comparado a quem tem um país em guerra… Um país que invade outro.

Não se arrepende de não ter dado a guinada à esquerda?

Eu acho que o presidente Lula, quando presidente, ele teve um comportamento; fora da Presidência ele tem outro comportamento. Eu terei a mesma situação, eu tenho que ter uma posição referente ao todo, não a uma parte nem só a mim. Então, o presidente Lula hoje, ele não é mais presidente, ele pode falar tudo o que ele pensa, tem todo o direito de falar o que ele pensa. Eu não posso defender todas as posições pessoais minhas, seria colocar os meus interesses na frente do interesse de todos que eu estou representando. Quando eu sou presidente, eu não posso me manifestar, por exemplo, sobre outros chefes de Estado, de governo. Eu não posso ter posições, que eu sei uma parte da população brasileira que não endossa. Eu não posso fazer isso, um presidente não cria divisão, não faz isso.

Mas a senhora reconhece que se esperava uma guinada à esquerda?

Posso falar uma coisa? É muito difícil a atuação de governos diante de crises econômicas. É necessário perceber que, diante de crises econômicas, você acirra as contradições distributivas, elas são acirradas, pelo fato de os recursos numa crise diminuírem. E seria estranhíssimo se nós, diante de uma crise, tivéssemos uma atitude de não estarmos diante de uma crise. Eu entendo que as pessoas queiram mais. Agora, acho que nós não temos como dar mais quando a arrecadação cai. Não temos como fazer isso. Temos como, sim, se estabilizar este país politicamente, tirar este país da crise, voltar a gerar emprego, voltar a ampliar as políticas sociais, porque se for ver, o ajuste do país é um ajuste diferenciado. Nós ajustamos, mas preservamos as políticas sociais.

Não houve um erro estratégico ao contratar o Levy?
O Joaquim Levy esteve no governo até 2008, foi lá que eu o conheci, secretário do Tesouro, as pessoas são muito esquecidas.

A senhora acha que será possível escapar do impeachment?
Começo pelo fim, porque a gente também tem números e listas, e conversas, a gente faz avaliação, por isso, sistematicamente.

O que a senhora pensa de ver o seu processo comandado por um deputado denunciado, como o Eduardo Cunha?
Olha, eu acho que faz parte, e acho que isso é amplamente noticiado pela imprensa internacional. Uma das questões mais perversas dessa história é quem preside meu impeachment, inequivocamente. Não só essa pessoa pratica desvios de poder, conforme nós falamos na nossa defesa, como eu já disse várias vezes, que ao contrário dele, eu não tenho contas no exterior, ao contrário dele, eu não tenho nenhuma das acusações que recaem sobre ele. Agora, o que eu acho mais grave não é que ele presida o impeachment. O que eu acho mais grave é que a proposta que está na mesa contra a minha permanência no cargo de presidente tem ele como vice. Ele será o vice-presidente da República e tem com o atual vice-presidente da República uma relação de profunda sociedade.

Sociedade? De que tipo?

De todos os tipos, política.

Nosso sistema político precisa ser reformado. Mas é este sistema político que definirá seu futuro. E aí?
Tem algumas características neste processo que compõem um lado que independe das pessoas que estão agindo, que é o seguinte: o sistema político brasileiro hoje se mostra muito receptivo a expedientes golpistas inconstitucionais, porque ele é frágil. Nós precisamos de uma reforma política, que defina em que condições se aceitará a formação dos partidos, como é que é o modelo de voto, como se dará a relação parlamento e Executivo. Nós precisamos disso. Não sou eu, não é meu mandato. Em 2018 vão precisar disso, em 2022 vão precisar disso. Eu não escolhi as condições em que eu exerço a Presidência, elas me são apresentadas pela realidade. Vociferar contra isso de nada adianta, é como vociferar contra a chuva. Achava, em 2013, logo após as manifestações de junho, que uma das questões seria que nós convocássemos uma assembleia para discutir a reforma do sistema político. Se vocês lembram, ele está perdendo cada vez mais a capacidade de não ser permeável a esse tipo de crise, por isso que precisa reformá-lo. Não é para me beneficiar, que beneficie o próximo, já que é fundamental para o país. Que transformem as condições em se fazer política e em se governar o Brasil. Porque todos que se sentarem nesta cadeira enfrentarão isso, em maior ou menor grau, no curto, no médio ou longo prazo. É inexorável porque não é algo que alguém consiga modificar. E esta versão que se tem em relação ao Congresso, eu acho uma posição não só ao Congresso, mas também a todos os políticos, essa versão de que a política é ruim e suja, ela não contribui. Ela só vai acirrar o apoliticismo. E o apoliticismo serve a interesses políticos poderosos. Acho que uma das características aterrecedoras daquela manifestação do dia 13 de março foi a rejeição da política. Essa característica nunca levou a nada de bom, nunca. Precisa se valorizar a política para ter a população valorizando, as pessoas querendo participar, porque, de outra forma, hoje, se aceita essa desqualificação da política, isso também é muito ruim. Isso não é e não representa uma posição de rebeldia, eu acho que isso representa uma das posições mais conservadoras que tem, que historicamente levaram a regimes de exceção. A gente pode até nomear quais. Faz parte do processo de despolitização, faz parte rejeição da atividade política o surgimento de salvadores da pátria.

No domingo, donos de shoppings centers pretendem fechar as portas e protestar contra o governo. Esses empresários são golpistas?
Não há nada no mundo que tire a pessoa, por ser empresário, de ter posições que são objetos de avaliação crítica como as demais. Não há nenhum pecado original em ser empresário, mas também não há nenhuma salvação. Se você defende a interrupção de um mandato legalmente constituído, se você acha que, sem provas, é possível se tirar um presidente da República do seu mandato, você é um golpista, independentemente do que você seja, empresário, trabalhador.

Mas então essa parte da sociedade é golpista?
Não, querida, não é isso.

Tem muita influência midiática?

Acho que tem, acho que tem, sim. Eu não acho que essa é uma questão estarrecedora…

A senhora citou o dia 13…
Não, eu vou dizer por que não é estarrecedora. Eu não questionei indivíduos lá, eu questionei uma manifestação… Estavam lá pessoas e eles estavam no meio dessas pessoas, vaiaram o Aécio, vaiaram o Alckmin, vaiaram a Marta, vaiaram outras pessoas…

E pediram o fim do seu governo.
E pediram o fim do meu governo. E foram extremamente, nesse quesito, apolíticas, porque não escolheram ninguém, exceto o juiz.

A senhora acompanhará de onde a votação no domingo?

Do Palácio da Alvorada.

A senhora passou um ano e meio tentando fazer um governo com uma base. O que muda agora?

Eu acho que, no Brasil, nós vamos ficar diante de várias escolhas. Completando a minha pauta econômica.

O que a gente pode pensar após segunda-feira? A senhora ganhando, serão os mesmos parlamentares….
Essa sua pergunta é a pergunta do fim do mundo. E aí, o mundo acabou? Um belo dia estava eu dentro da Operação Bandeirante, e lá o cara chegava e falava: “Olha, daqui a duas horas você vai ser interrogada”. Então você imaginava o que vinha, então você ia, era torturada e voltava. E isso acontecia vários dias. Depois, você ia para o DOPS de São Paulo, para fazer cartório, e ficava torcendo para o Fleury ir para o carnaval, porque se ele fosse, ele não te interrogava. Aí, passava algum tempo, você ia parar lá no presídio de Tiradentes, ele era todo cinza e você pensava: e aí, não tem saída? É isso aqui para sempre? É assim que você encara as coisas? Não é assim não, minha querida. Você encara se tiver esperança, se souber que a vida é um pouquinho mais complicada.

E qual o recado principal que a senhora quer passar?
Nós lutaremos até o fim contra esse impeachment e acreditamos que, no dia de domingo, nós temos todas as chances de barrar o impeachment. Agora, o segundo recado é que logo depois do impeachment, nós temos que fazer um pacto no Brasil.

Se a senhora perder, a senhora participa desse pacto?

Se eu perder, eu estou fora do baralho.

Mas a senhora disse que não haverá vencedores e vencidos…

Eu acho isso, pelos outros eu não respondo.

Mas ainda tem o Senado…

Eu estou falando da Câmara, estou falando lá no fim. E o fim é mais ou menos lá para maio.

E nesse período, se o Senado  aprovar, durante seis meses a senhora vai fazer qual papel no Alvorada?

Ninguém sabe.

Romero Jucá falou que seu discurso é de uma pessoa desequilibrada. Isso é machismo?
Mas você tem dúvida? Você já viu falar que discurso de algum homem é desequilibrado?

A senhora tem algum diário? O ex-presidente FHC fazia, o presidente Lula também anotava. A senhora anota as coisas, ou grava ou faz alguma coisa?
Escrevo muito. Eu não falo. Eu escrevo. Eu sei escrever, eu não sei falar. Eu sou uma pessoa que escreve, eu sou uma escrivinhadora.

A bicicleta é o seu Rivotril?
Querida, é mais do que isso.

A senhora é boa de ouvir?
Eu só consigo entender escrevendo. Eu ouço muita música.

O que a senhora não faria de novo?

Quantas coisas vocês não fariam de novo? Não acho que faria tudo diferente. Tem coisas que você não tem escolha. Qual é o melhor artista italiano? Vittorio Gassman. Ele dizia que precisa de uma vida para ensaiar e outra para viver. Eu tinha de ter ensaiado, mas fui obrigada a viver. Gassman também dizia que da vida você leva seus filhos, seus amigos e seus amores. Começo olhando para os meus filhos, porque você sempre acha que poderia ter feito assim, assado, apesar de eu achar a minha filha ótima. Mas isso vocês poderiam perguntar para ela.

A senhora é feliz como presidente?
Sou, de certa forma, porque acho que essa é uma pergunta que ninguém consegue responder. Não existe um estado de felicidade constante.

O que a senhora vai fazer quando  sair daqui?
Eu vou pra minha casa, lá no Rio Grande do Sul.

Escrever um livro? Vai continuar na política, presidente?
Eu não sei… Eu acho que todos nós temos que, de alguma forma, fazer política. Não precisa fazer intensa, não.

A senhora pegou gosto?
Querida,eu tenho direito à aposentadoria. Entrei na política aos 15 anos. Estou com 68 anos, estou para lá de direito de aposentadoria. Estou muito velha.

Breno Fortes/CB/DA Press - 8/5/09

“O câncer, tirei de letra”
Diante de temas como a iminente votação de um impeachment na Câmara dos Deputados, crises econômica e política, Operação Lava-Jato, entre outros, forçar reminiscências pode parecer até inapropriado. No caso da presidente Dilma, no entanto, lembranças incluem dramas humanos tão fortes, que jamais deixarão de falar sobre o seu temperamento e sobre a sua forma de encarar adversidades. Tortura nos porões da ditadura e o tratamento de um câncer, por exemplo.

Em 2009, quando entrevistei Dilma, então ministra e potencial candidata a presidente da República, ela falou pela primeira vez publicamente sobre o linfoma que a acometia. Saí de lá com a impressão líquida e certa de que ela venceria a doença. Tanto que cheguei a encerrar um artigo com a frase “quando ela disse que venceria o câncer, eu acreditei”. De fato, ela demonstrou que a vitória contra a doença era praticamente um jogo de cartas marcadas. E que sairia vencedora. Saiu.

Na sabatina de ontem com os jornalistas, perguntei-lhe se o momento atual era tão impactante quanto aquele, do diagnóstico e do tratamento do câncer. “Ih, câncer, eu já tirei de letra.” Insisti: “Tirou de letra. Muito mais fácil que esse momento então?”

“O câncer é bobagem. Câncer hoje tem conhecimento, estrutura, é tratamento. Se você pegar cedo, tem remédio, tecnologia. Do câncer, você sai”, respondeu. Sair do impeachment, de fato, depende de variáveis que vão além do controle da presidente. Mas não se pode deixar de admitir que ela mantém a confiança na vitória.

Proposta de inversão de papéis
No fim da entrevista, Dilma falou um pouco sobre o relacionamento com a mídia e confessou estranhar o fato de os jornais produzirem manchetes “igualzinhas” todos os dias na extensa cobertura sobre o impeachment. “É intrigante”, disse, ao confessar o interesse de um dia inverter os papéis e entrevistar os repórteres: “Vocês podiam me dar esse direito, não?”. Ela já sabe até a primeira pergunta que fará aos jornalistas: “Como acham que funciona a imprensa, hoje, no Brasil?”
A presidente não entrou em detalhes, mas deixou escapar que “a questão” crucial não é com os jornalistas, e, sim, com instâncias superiores dos jornais. Mais relaxada, na hora que ofereceu pão de queijo ao grupo, a presidente deu uma boa risada quando ficou sabendo de uma paródia sobre as eventuais manchetes dos jornais no dia do juízo final. “Bom saber.” Participaram da entrevista: Cynara Menezes (Blog Socialista Morena e Rede TV), Cristiana Lobo (GloboNews), Fernando Rodrigues (Uol), Ricardo Galhardo (O Estado de S.Paulo), Claudia Safatle (Valor Econômico), André Barrocal (Carta Capital), Lauro Jardim (O Globo), Luis Nassif (Blog do Nassif), Valdo Cruz (Folha de S.Paulo) e Ana Dubeux.

Dilma rechaça clima de ‘já ganhou’ da oposição: “Vou até o último minuto”

A quatro dias da votação do impeachment no plenário da Câmara dos Deputados, a presidente Dilma Rousseff faz questão de admitir publicamente apenas uma possibilidade: ficar no cargo para o qual foi eleita

postado em 14/04/2016 06:00 / atualizado em 14/04/2016 06:32

Ana Dubeux

Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

A quatro dias da votação do impeachment no plenário da Câmara dos Deputados, a presidente Dilma Rousseff faz questão de admitir publicamente apenas uma possibilidade: ficar no cargo para o qual foi eleita. Numa entrevista a 10 jornalistas, na manhã de ontem, na sala do quarto andar do Palácio do Planalto, ela rechaçou o clima de “já ganhou” da oposição, referiu-se a Sérgio Moro, o nome mais popular da Lava-Jato, como “o juiz”, e acusou seu vice, Michel Temer, e Eduardo Cunha, presidente da Câmara, ambos do PMDB, de serem sócios no “golpe”.

Durante duas horas e 20 minutos, quis provar que está firme no posto. No centro de grande mesa de madeira redonda, escorada por fotos da filha e do neto, três vasos de orquídeas e dois umidificadores de ar, manteve a altivez e até a ironia, referindo-se como “minha querida, meu querido” a quem lhe dirigia perguntas mais incômodas. De início, avisou que não seria uma entrevista “comportadinha” e passou recados claros — o mais importante deles é que vai lutar até o último minuto. Sem deixar explícito, entretanto, se o governo vai judicializar o processo no STF. “Eu não te garanto ainda o que nós vamos fazer (judicializar) porque eu ainda não tenho completa avaliação do jurídico do governo. Não sei quando faremos, se faremos.”

Vestida com uma camisa preta de bolinhas brancas e calça preta, disse que tem mais fôlego e disposição em dias tensos. Não toma remédio tarja-preta e tem dormido bem. “Você acha que alguém que está mal anda de bicicleta e faz musculação todo dia?” Admitiu, no entanto, cansaço. “Desde que o dia raiou em 2016, não tenho sossego.”

Às críticas, responde no mesmo tom. “Não posso ficar fazendo autocrítica porque não muda uma vírgula da realidade.” Não referenda as alfinetadas do próprio PT sobre perdas dos trabalhadores em seu governo. Mas reclama da “espetacularização”, pela imprensa, da Operação Lava-Jato. Assume a crise econômica, mas atribui a dificuldade de sair dela ao emaranhado político, embora não exclusivamente a ele. Há clareza sobre os inimigos. Ironizou o vazamento do discurso do vice Michel Temer, que “ensaiava” quais seriam suas palavras ao assumir a Presidência. Acredita que foi uma divulgação deliberada.

A matemática do governo permite planos para segunda-feira. Caso o impeachment não passe, está na agenda um grande pacto para tirar o Brasil da crise, “sem vencedores e derrotados”, com todos os setores da sociedade, inclusive a oposição. Se nada caminhar como planeja, se todas as instâncias forem testadas, só aí ela admite ser carta fora do baralho.

Se superar o impeachment, como será a política econômica?

Estamos diante de uma situação em que há uma interação entre uma instabilidade política extremamente profunda, que há 15 meses afeta o país, e a política e a crise econômica. Não digo que a crise econômica derive integralmente da política. Acho que ela é intensificada. A nossa capacidade de recuperação se mostrou limitada pela crise política. A crise econômica  primeiro atingiu os países desenvolvidos e depois atingiu os países em desenvolvimento. Mas tem características próprias do Brasil. Não acredito que se devem fundamentalmente à política que adotamos a partir de 2009 as nossas mazelas. O Brasil tem várias disfunções ainda.

Quais as disfunções?
Nós vamos ter de olhar e fazer reformas. Para o país fazer reformas, há que ter unidade. Não é possível pauta-bomba. Para cada vez que há pauta-bomba, o govertem que parar a ação legislativa e  vetar, depois de vetar, vai barrar o veto no Congresso. Então, a primeira coisa de disfunção que tem que haver no país é o fim das pautas-bombas e, portanto, o fim do uso de expedientes políticos para paralisar o governo. Nós tivemos esse processo durante 15 meses. Desde a minha eleição.

Isso não é um reflexo de um governo que não controla a sua base?

Nós temos um sistema político com algumas características. No passado, para um governo fazer maioria, você precisava de três partidos. Foi assim que Fernando Henrique governou. O Lula precisava de menos partidos também em relação ao meu governo. No início do meu segundo mandato, tínhamos 28 partidos. Mas isso coloca a necessidade junto com uma outra característica dos partidos. O nível de unidade dos partidos é diferenciado. Você tem várias pendências dentro do partido, incidências e determinações dadas por estruturas regionais, por adoção de uma frente. Tem frentes parlamentares diferenciadas. Então, supor que a alguém no Brasil pode estruturar uma política sem haver uma reforma política profunda será muito difícil. Eu acho que até é possível tentar, conseguir e alcançar um pacto. Agora, é importantíssimo que não se tenha a forma de organização que há na Câmara dos Deputados com o atual presidente da Câmara dos Deputados.

Que presidente?
O presidente da Câmara dos Deputados. Esse presidente é um grande responsável pelas pautas-bombas. É um grande responsável pela não votação de reformas, a não ser aquelas que ele considera adequadas, que nem sempre coincidem com a visão do governo.

Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

Presidente, nesta condução no Congresso, a senhora não faz nenhuma autocrítica hoje, pelo menos nesse segundo mandato, para a base ser esfacelada dessa forma?
Você sabe que eu acho que a base não se esfacelou. Não adianta se forçar uma visão tradicional de partidos. Não é assim que funciona o Brasil. A não ser que se tenha uma visão absolutamente idealista de partido político, ninguém vai entender como é que funciona a atividade parlamentar no Brasil. Não estou falando de mazelas. Estou falando que há diferenças partidárias. Não são partidos, vamos dizer assim, ideológicos, na tradição da palavra na qual se faz um acordo parlamentar como se faz na Inglaterra, na França… Você está vendo também nos Estados Unidos uma certa divisão pronunciada dentro do partido republicano. Vocês adoram que eu faça autocrítica. Não posso ficar fazendo autocrítica só para contentar porque não muda uma vírgula da realidade. Então, ou nós percebemos que há um processo complexo, bem complexo, no presidencialismo, na relação do presidencialismo com o Congresso, ou nós vamos acreditar em contos de fada. Tecer um pacto no país nessas circunstâncias que vivemos sem a legitimidade do voto, tentando transformar o impeachment em uma eleição indireta de quem não tem voto. Uma eleição indireta perigosíssima porque não resolve os problemas do país. Então, a primeira coisa é apoio popular através de voto. Voto popular. Impeachment está previsto, sim, na Constituição. Só que o impeachment previsto na Constituição tem de ter base legal. Não dá para fazer o salto no escuro do impeachment fraudulento sem base legal, que marcará profundamente a história do presidencialismo no Brasil.

A senhora fala como se fosse uma coisa que a gente…
Não, não. Eu estou falando daqueles que fazem isso que têm de saber as consequências do seu ato. Que estão ocultas. Por que eu tenho que falar? Porque eu não vejo nenhum grande órgão grande de imprensa dizer: “Bom, é golpe”. Não vi. Vi só alguns articulistas. Então, quando eu estou falando isso, estou fazendo uma coisa que, como presidente, eu tenho de fazer. Eu tenho responsabilidade de fazer. Estou fazendo uma denúncia. Tem um estado de golpe sendo conspirado no Brasil. Tanto aqueles que agem a favor abertamente como os que agem ocultamente, e tem aqueles também que se omitem. Todos serão responsáveis pelo fato de que não se pode supor que certos atos políticos são sem consequência.

Quem especificamente?
As pessoas que se omitem. Porque o resto a máscara caiu, a fantasia foi rasgada e não fui eu que disse. É só ler as declarações. O vazamento. É interessantíssimo. Eu nunca vi você vazar para si mesmo, né? Se vaza para si mesmo. Essa parte eu nunca vi. O vazamento para si mesmo é algo fantástico. Você não é nenhum ingênuo e sabe que foi tratado como vazamento. Quando não foi um vazamento. Era uma manifestação deliberada nunca antes vista na história do mundo. Quando um processo está em curso e alguém tenta sem olhar o resultado fazer um discurso de posse. Eu chamei de golpe, chamei de chefe do golpe e de vice-chefe do golpe. Só não sei quem é o chefe e quem é o vice-chefe. Eu não sei e vocês também não sabem. Acho que são associados. Um não age sem o outro. Uma parte do golpe ela depende do presidente da Câmara. Diretamente do presidente da Câmara. E aqui ninguém é ingênuo. Ninguém. Eu não vou fazer, vocês não pensem, uma entrevista muito bem-comportada. Não se pode mais ter pauta bomba.

A pauta-bomba é mais contra o povo do que contra o governo.

Pois é, mas geralmente a pauta-bomba cai em cima do povo a curto prazo, a médio prazo, ao cair sobre o orçamento público, ela inviabiliza a estabilidade fiscal, que lança para o conjunto da economia sinais muito negativos. Então, no médio prazo, acaba resultando em uma conta que o povo pagará que só é vista à posteriori, mas no curto prazo recai sobre o governo, aí o governo é responsável por não ter estabilidade fiscal. É óbvio que eu fui eleita com uma plataforma que não fala, em momento algum, que nós achamos que o Estado só tem que tratar de saúde, educação e segurança, nós não achamos isso, não, tanto é assim que nós fizemos um programa como o Minha Casa Minha Vida. Hoje, nós temos cerca de 4,2 milhões contratados e 2,4 milhões de moradias entregues e, em construção nós temos 1,5 milhão, e lançamos agora a segunda parte, dois milhões. Isso é importante não só do ponto de vista social, mas do ponto de vista econômico. Por que não fazer um programa como o Minha Casa Minha Vida que não cria bolha imobiliária, que assegura, para a população de baixa renda, pela primeira vez o acesso à casa própria? Que tira uma porção de gente das moradias de alto risco, que transforma muitas, e aí interessa a nós mulheres, muitas famílias que hoje no Brasil são dirigidas por mulheres? E que transforma essas famílias em famílias mais estáveis, onde as crianças podem ser cuidadas? Eu acho que isso é fundamental, não é fundamental fazer um programa de integração hídrica e de segurança hídrica em algumas regiões do Brasil, principalmente no Nordeste? Na saúde acabou a discussão sobre o Mais Médicos, mas tem 18.800 médicos atendendo a população hoje, tem 1,2 milhão de cisternas distribuídas no Nordeste. Um Estado como o brasileiro, se tiver o mínimo de inclusão, tem política social que tem que ser feita sim e tem política social que tem a ver com política de infraestrutura. Agora, pegar o Brasil e achar que se resolve o problema dos brasileiros e do país ignorando a quantidade de atrasos, de herança maldita, de anos e anos em que uma parte da população foi retirada dos benefícios da riqueza, é ter uma proposta completamente dissonante da realidade. Nós temos uma experiência muito boa em concessões e acho que as empresas brasileiras construtoras têm que ser encaradas como agentes de desenvolvimento e não como agentes de corrupção. Tem que se impedir que se demonizem as empresas porque nós precisamos das empresas que constroem. Agora, isso é uma coisa, outra coisa é falar o seguinte “Investiga quem tiver que investigar, mas não destrua a empresa” não faça isso.

A senhora falou da incapacidade  de construir uma base …
Não, eu disse o seguinte, querida, que esse sistema político nos incapacita de construir uma base estreitinha, curtinha e pequena, que nós precisamos de uma base mais ampla. Uma base mais ampla sempre tem movimentações diferenciadas e se você soma isso ao fato de que, em cada partido, você tem várias tendências, várias pessoas votando de maneira diferente, você tem uma situação que tem que ser encarada no Brasil.

A senhora admite convocar novas eleições diretas abrindo mão de parte do seu mandato?

Eu não vou, neste momento, ficar discutindo uma hipótese, principalmente uma hipótese que contraria o que eu acredito. Acredito que nós temos todas as condições de ganhar no Congresso Nacional. Acho que o resultado que nós obtivemos na comissão, diferente do cantado em prosa e verso, é um resultado importante, 41,5%. Se você fizer uma projeção, dá 213, se der um desconto, você ainda fica na faixa de conforto. Eu acho que o governo vai lutar até o último minuto por uma coisa que nós acreditamos que seja factível, que é ganhar contra essa tentativa de golpe que estão colocando para nós através de um relatório que é uma fraude. O relatório tem momentos que são estarrecedores. Aliás, eu acho que o José Eduardo Cardozo foi muito feliz quando disse que talvez a melhor defesa ao meu favor seja a qualidade daquele relatório. Então, eu acredito no seguinte: eu não vou tratar as pessoas que discutem dessa forma como eu trato as pessoas que estão discutindo o golpe. A pessoa que está propondo, em que pese eu considerar que o meu mandato, a Constituição diz o dia que começa e o dia que termina, eu respeito uma proposta que passe por outra eleição que tenha voto popular. O que eu não respeito, o que eu acho que nenhum de nós pode aceitar, que nenhum de nós pode concordar, é um impeachment sem base legal. Um impeachment sem base legal fere a nossa democracia, é um atalho para o poder daqueles sem-voto e que não vão se submeter a uma eleição porque não serão sequer considerados, porque não têm os requisitos necessários para se apresentarem como tal. Podem, porque são brasileiros natos, se apresentarem, eu não estou falando do direito de eles se apresentarem, eu estou falando na questão de atrair apoio.

Depois da comissão, há um efeito manada dos parlamentares?

Eu acho interessante essa preocupação com ministros do meu governo, muito interessante. Porque tem hora que vocês são mediúnicos, vocês falam o que eu penso, e eu olho no espelho e digo: “Eu não pensei isso”. Tem hora que eu não aprovo, não. Eu acho fantásticas as falas sobre fontes do Planalto, o Lula dizia que tinha um anão ali embaixo. Ele vivia ali e era um anão cheio de opinião. Esse anão não morreu, não. Mas vou te falar uma coisa, eu acho que nós agora, nesta reta final, estamos sofrendo e vamos sofrer uma guerra psicológica, que é o seguinte: eu tenho uma lista que ele não tem. Este será um processo que tem um objetivo, construir uma situação de efeito dominó, de um lado. Do outro lado, é muito difícil neste momento dizer o seguinte: um partido desembarcou do governo. Veja que se têm situações as mais variadas possíveis, os partidos saem do governo e as pessoas ficam, se tem variações, não se tem uma relação tão linear entre o líder e os liderados e essa também é uma característica do sistema político do Brasil, que torna extremamente complexa a análise da realidade, e extremamente complexo o jogo político, e que as pessoas de fato se situam e como é que isso é feito, nós estamos projetando numa situação de tensão. O que é uma situação de tensão? É quando todo mundo está tensionado porque vai votar, vai se explicitar. Então os 41,5% são um momento, vamos dizer, da verdade, a hora que onça bebe água. Então eu tenho de utilizar este indicador. É óbvio que, com o passar dos dias ele vai ter de ser refeito, reavaliado e o governo faz isso, reavalia, olha. Todo mundo hoje analisa, agora eu gosto muito é de certos placares: 248 contra 101 (no plenário). Eu acho fantásticos certos placares, eles têm um objetivo.

Quando a senhora fala que o governo lutará até o último minuto, a senhora está falando do Congresso ou da judicialização?
Nós sabemos todos os equívocos, todas as falhas, todas as irregularidades, todas as evidentes violações da defesa praticadas pelo rito imposto pelo senhor presidente da Câmara. Porque não tenham dúvida de que o senhor presidente da Câmara impôs o rito. O rito que para mim é um, e para ele é outro.

O rito não é o do Supremo?

O rito do direito de defesa, não. O rito de defesa meu é completamente diferente do rito de defesa dele na Comissão de Ética. O ministro José Eduardo Cardozo fez uma fala muito clara sobre isso na última vez que nós tivemos a oportunidade de nos manifestar. Agora nós estamos trabalhando em todos os momentos para que a gente tenha condição de reverter esse quadro no Congresso. Eu não te garanto ainda o que nós vamos fazer porque eu ainda não tenho completa avaliação do jurídico do governo. Não sei quando faremos.

Não tem ainda?
Não tenho ainda avaliação. Nós não sabemos se vamos, quando vamos, se formos.

Na suposição de que eles assumam o poder, há risco de uma guerra institucional?
Eu não acho que seria adequado fazer uma análise sobre isso. Agora eu quero te dizer o que eu penso sobre a relação do Executivo com o Judiciário, com o Ministério Público e com a Polícia Federal. Eu acho que o Brasil, apesar de ser uma jovem democracia, tem uma razoável independência entre os poderes. Esta independência em relação ao Supremo Tribunal Federal é bastante clara em relação à estrutura do Judiciário, do ponto de vista federal, idem, acho que a autonomia dos ministros, a independência dos poderes e a soberania do Supremo Tribunal Federal é inconteste. Não acredito que haja qualquer dúvida a respeito dessa situação em relação ao Supremo Tribunal Federal. Não acredito também que nós tenhamos no Brasil uma fragilidade no que se refere às demais instituições, até porque elas ganharam isso ao longo do tempo. No caso do Ministério Público, a base é a Constituição de 1988 e que garante aos procuradores autonomia para investigar perante, inclusive, o procurador-geral. Eles tem autonomia e todo o Ministério Público, o federal e o da União, seja ele o Ministério Público do Trabalho ou seja o Ministério Público, este que é chamado Ministério Público Federal. A Polícia Federal também tem essa atribuição de autonomia. O que eu acho que é interessante avaliar não são os poderes, é como se comportará a imprensa diante da continuidade. Eu não estou falando só em relação a nenhuma hipótese de outro governo que não o legitimamente eleito, estou falando o seguinte: o que fará a imprensa? O meu impeachment não passando, o que fará a imprensa? A espetacularização vai continuar? Da investigação? Uma coisa é investigar, outra coisa é a espetacularizar da investigação.

Mas espetacularização é universal…

A espetacularização é um instrumento político.

Mas ela é universal.
Só que tem uma coisa: vaza provas nos Estados Unidos para ver o que acontece. Se a prova não está ainda em condições de ser vazada, anula o processo. Segundo: grava o presidente da República sem autorização do Supremo para ver o que acontece. Eu fui investigada, virada do avesso, eu não estou com o impeachment sobre contas, uma contabilidade esotérica. E sabe por que é uma contabilidade esotérica? Porque a política é que fez aquele processo. Sabe por quê? Porque todos os que me antecederam usaram dos mesmos processos, todos os governadores usam dos mesmos processos. Essa contabilidade de dois pesos e duas medidas que usaram contra mim evidencia que não acharam outro motivo para tentar forçar o meu impedimento. Então, eu repudio todas as tentativas de me ligar a atos que pratiquei, que nunca pratiquei. E qual é a dificuldade comigo? A dificuldade é que sabem disso. Então, o jogo é um jogo muito difícil, a espetacularização, inclusive, significa vazamento dirigido, que não pode e que não tem base legal para ocorrer. E a gente sabe disso.

Ainda é possível um pacto?

Eu já tentei, agora te digo qual o meu primeiro ato pós-votação na Câmara: a proposta de um pacto de uma nova repactuação entre todas as forças políticas, sem vencidos e vencedores.

Teria um programa para fazer pacto…
Nós já mandamos várias coisas para a Câmara, eu acho que o primeiro item é que nós vamos dialogar.

O que a senhora vai oferecer para a oposição…

Eu vou oferecer um processo de diálogo…

E questões econômicas e sociais, como ficam?
Nós temos de olhar todos os lados do Brasil. Mas sem respeitar as conquistas já adquiridas, não se terá paz social no nosso país. Se não se colocarem na mesa também trabalhadores e empresários, se não se fizer isso… O pacto não é só com a oposição, o pacto é com todos aqueles… As forças econômicas e as forças que são representadas nos movimentos sociais. Veja uma coisa interessante. Nos últimos dias, houve uma reorganização das forças políticas de uma forma intensa no Brasil, e essa reorganização se deu em torno de uma questão fundamental, que é a questão democrática. Este processo é um processo crescente. Vejam vocês que nós temos tido demonstrações de pessoas que não estão apoiando o governo. Não é que as pessoas sejam acríticas em relação ao governo e falam que este governo fez tudo certinho, não é isso, não. As pessoas não são acríticas, o que elas estão defendendo é um processo, elas não estão defendendo A, B ou C. Elas estão defendendo um processo democrático. Tem outros que estão defendendo também um projeto, mas a maioria do que nós vemos como manifestação a nosso favor é no sentido da garantia do processo democrático, o que mostra uma grande maturidade política das forças sociais no Brasil. A última manifestação no Rio dos artistas é muito significativa. Eu tenho feito em menor escala, aqui dentro do palácio, vários encontros; fiz um ontem com a educação, todos reitores tanto das universidades federais como dos institutos federais de tecnologia. Junto com professores, agentes de educação e com o pessoal da UNE. Isso eu acho que é o ponto de unidade, tem um lado desse processo que é um lado muito forte da democracia, da garantia da democracia. Acho uma situação muito complexa hoje, porque também tenho recebido uma série de relatos sobre situações muito extremas de manifestações preconceituosas de ódio. A mais grave é uma de uma médica que abriu mão de cuidar de uma criança recém-nascida, o que eu acho que não é possível chegar a esse ponto.

A senhora está dormindo à noite?

Este negócio de estado de espírito é engraçado. Eu quero perguntar uma coisa a vocês. Vocês todos aqui são normais. Alguém que está muito ruim levanta e vai andar de bicicleta às dez pras seis, 50 minutos? Você acha que é possível? Eu durmo, eu durmo bem-dormido e não tomo remédio. Se eu tomar um remédio para dormir, tem um pequeno probleminha, nunca mais vão me ver acordada, porque eu durmo muito fácil. Eu não durmo cedo, mas eu começo a ter sono ali pelas dez e meia da noite.

Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

A senhora dorme o sono dos justos?
Eu durmo. Mas tem isso também, se eu achasse que eu tivesse cometido alguma coisa que merecesse tudo isso, mas eu acho que eu não fiz. E mais, eu sou uma pessoa que eu tenho uma grande competência quando aumenta a tensão, e a minha fraqueza é quando eu relaxo, porque aí eu fico muito normal. A gente tem que ser, para ser presidente e aguentar a tensão, um pouco acima, uns dois degraus de tranquilidade quando a tensão sobe muito. A tensão é muito grande. Eu fico muito feliz quando não estou tensa. Mas quando  não estou tensa, mas estou muito feliz, eu estou muito normal, sou igual a todo mundo. Quando eu estou tensa, eu sou presidente da República. Porque não há na história do mundo um presidente da República que não viva sob tensão.

Mas uma tensão igual a essa…

Não sei, se for comparado a quem tem um país em guerra… Um país que invade outro.

Não se arrepende de não ter dado a guinada à esquerda?

Eu acho que o presidente Lula, quando presidente, ele teve um comportamento; fora da Presidência ele tem outro comportamento. Eu terei a mesma situação, eu tenho que ter uma posição referente ao todo, não a uma parte nem só a mim. Então, o presidente Lula hoje, ele não é mais presidente, ele pode falar tudo o que ele pensa, tem todo o direito de falar o que ele pensa. Eu não posso defender todas as posições pessoais minhas, seria colocar os meus interesses na frente do interesse de todos que eu estou representando. Quando eu sou presidente, eu não posso me manifestar, por exemplo, sobre outros chefes de Estado, de governo. Eu não posso ter posições, que eu sei uma parte da população brasileira que não endossa. Eu não posso fazer isso, um presidente não cria divisão, não faz isso.

Mas a senhora reconhece que se esperava uma guinada à esquerda?

Posso falar uma coisa? É muito difícil a atuação de governos diante de crises econômicas. É necessário perceber que, diante de crises econômicas, você acirra as contradições distributivas, elas são acirradas, pelo fato de os recursos numa crise diminuírem. E seria estranhíssimo se nós, diante de uma crise, tivéssemos uma atitude de não estarmos diante de uma crise. Eu entendo que as pessoas queiram mais. Agora, acho que nós não temos como dar mais quando a arrecadação cai. Não temos como fazer isso. Temos como, sim, se estabilizar este país politicamente, tirar este país da crise, voltar a gerar emprego, voltar a ampliar as políticas sociais, porque se for ver, o ajuste do país é um ajuste diferenciado. Nós ajustamos, mas preservamos as políticas sociais.

Não houve um erro estratégico ao contratar o Levy?
O Joaquim Levy esteve no governo até 2008, foi lá que eu o conheci, secretário do Tesouro, as pessoas são muito esquecidas.

A senhora acha que será possível escapar do impeachment?
Começo pelo fim, porque a gente também tem números e listas, e conversas, a gente faz avaliação, por isso, sistematicamente.

O que a senhora pensa de ver o seu processo comandado por um deputado denunciado, como o Eduardo Cunha?
Olha, eu acho que faz parte, e acho que isso é amplamente noticiado pela imprensa internacional. Uma das questões mais perversas dessa história é quem preside meu impeachment, inequivocamente. Não só essa pessoa pratica desvios de poder, conforme nós falamos na nossa defesa, como eu já disse várias vezes, que ao contrário dele, eu não tenho contas no exterior, ao contrário dele, eu não tenho nenhuma das acusações que recaem sobre ele. Agora, o que eu acho mais grave não é que ele presida o impeachment. O que eu acho mais grave é que a proposta que está na mesa contra a minha permanência no cargo de presidente tem ele como vice. Ele será o vice-presidente da República e tem com o atual vice-presidente da República uma relação de profunda sociedade.

Sociedade? De que tipo?

De todos os tipos, política.

Nosso sistema político precisa ser reformado. Mas é este sistema político que definirá seu futuro. E aí?
Tem algumas características neste processo que compõem um lado que independe das pessoas que estão agindo, que é o seguinte: o sistema político brasileiro hoje se mostra muito receptivo a expedientes golpistas inconstitucionais, porque ele é frágil. Nós precisamos de uma reforma política, que defina em que condições se aceitará a formação dos partidos, como é que é o modelo de voto, como se dará a relação parlamento e Executivo. Nós precisamos disso. Não sou eu, não é meu mandato. Em 2018 vão precisar disso, em 2022 vão precisar disso. Eu não escolhi as condições em que eu exerço a Presidência, elas me são apresentadas pela realidade. Vociferar contra isso de nada adianta, é como vociferar contra a chuva. Achava, em 2013, logo após as manifestações de junho, que uma das questões seria que nós convocássemos uma assembleia para discutir a reforma do sistema político. Se vocês lembram, ele está perdendo cada vez mais a capacidade de não ser permeável a esse tipo de crise, por isso que precisa reformá-lo. Não é para me beneficiar, que beneficie o próximo, já que é fundamental para o país. Que transformem as condições em se fazer política e em se governar o Brasil. Porque todos que se sentarem nesta cadeira enfrentarão isso, em maior ou menor grau, no curto, no médio ou longo prazo. É inexorável porque não é algo que alguém consiga modificar. E esta versão que se tem em relação ao Congresso, eu acho uma posição não só ao Congresso, mas também a todos os políticos, essa versão de que a política é ruim e suja, ela não contribui. Ela só vai acirrar o apoliticismo. E o apoliticismo serve a interesses políticos poderosos. Acho que uma das características aterrecedoras daquela manifestação do dia 13 de março foi a rejeição da política. Essa característica nunca levou a nada de bom, nunca. Precisa se valorizar a política para ter a população valorizando, as pessoas querendo participar, porque, de outra forma, hoje, se aceita essa desqualificação da política, isso também é muito ruim. Isso não é e não representa uma posição de rebeldia, eu acho que isso representa uma das posições mais conservadoras que tem, que historicamente levaram a regimes de exceção. A gente pode até nomear quais. Faz parte do processo de despolitização, faz parte rejeição da atividade política o surgimento de salvadores da pátria.

No domingo, donos de shoppings centers pretendem fechar as portas e protestar contra o governo. Esses empresários são golpistas?
Não há nada no mundo que tire a pessoa, por ser empresário, de ter posições que são objetos de avaliação crítica como as demais. Não há nenhum pecado original em ser empresário, mas também não há nenhuma salvação. Se você defende a interrupção de um mandato legalmente constituído, se você acha que, sem provas, é possível se tirar um presidente da República do seu mandato, você é um golpista, independentemente do que você seja, empresário, trabalhador.

Mas então essa parte da sociedade é golpista?
Não, querida, não é isso.

Tem muita influência midiática?

Acho que tem, acho que tem, sim. Eu não acho que essa é uma questão estarrecedora…

A senhora citou o dia 13…
Não, eu vou dizer por que não é estarrecedora. Eu não questionei indivíduos lá, eu questionei uma manifestação… Estavam lá pessoas e eles estavam no meio dessas pessoas, vaiaram o Aécio, vaiaram o Alckmin, vaiaram a Marta, vaiaram outras pessoas…

E pediram o fim do seu governo.
E pediram o fim do meu governo. E foram extremamente, nesse quesito, apolíticas, porque não escolheram ninguém, exceto o juiz.

A senhora acompanhará de onde a votação no domingo?

Do Palácio da Alvorada.

A senhora passou um ano e meio tentando fazer um governo com uma base. O que muda agora?

Eu acho que, no Brasil, nós vamos ficar diante de várias escolhas. Completando a minha pauta econômica.

O que a gente pode pensar após segunda-feira? A senhora ganhando, serão os mesmos parlamentares….
Essa sua pergunta é a pergunta do fim do mundo. E aí, o mundo acabou? Um belo dia estava eu dentro da Operação Bandeirante, e lá o cara chegava e falava: “Olha, daqui a duas horas você vai ser interrogada”. Então você imaginava o que vinha, então você ia, era torturada e voltava. E isso acontecia vários dias. Depois, você ia para o DOPS de São Paulo, para fazer cartório, e ficava torcendo para o Fleury ir para o carnaval, porque se ele fosse, ele não te interrogava. Aí, passava algum tempo, você ia parar lá no presídio de Tiradentes, ele era todo cinza e você pensava: e aí, não tem saída? É isso aqui para sempre? É assim que você encara as coisas? Não é assim não, minha querida. Você encara se tiver esperança, se souber que a vida é um pouquinho mais complicada.

E qual o recado principal que a senhora quer passar?
Nós lutaremos até o fim contra esse impeachment e acreditamos que, no dia de domingo, nós temos todas as chances de barrar o impeachment. Agora, o segundo recado é que logo depois do impeachment, nós temos que fazer um pacto no Brasil.

Se a senhora perder, a senhora participa desse pacto?

Se eu perder, eu estou fora do baralho.

Mas a senhora disse que não haverá vencedores e vencidos…

Eu acho isso, pelos outros eu não respondo.

Mas ainda tem o Senado…

Eu estou falando da Câmara, estou falando lá no fim. E o fim é mais ou menos lá para maio.

E nesse período, se o Senado  aprovar, durante seis meses a senhora vai fazer qual papel no Alvorada?

Ninguém sabe.

Romero Jucá falou que seu discurso é de uma pessoa desequilibrada. Isso é machismo?
Mas você tem dúvida? Você já viu falar que discurso de algum homem é desequilibrado?

A senhora tem algum diário? O ex-presidente FHC fazia, o presidente Lula também anotava. A senhora anota as coisas, ou grava ou faz alguma coisa?
Escrevo muito. Eu não falo. Eu escrevo. Eu sei escrever, eu não sei falar. Eu sou uma pessoa que escreve, eu sou uma escrivinhadora.

A bicicleta é o seu Rivotril?
Querida, é mais do que isso.

A senhora é boa de ouvir?
Eu só consigo entender escrevendo. Eu ouço muita música.

O que a senhora não faria de novo?

Quantas coisas vocês não fariam de novo? Não acho que faria tudo diferente. Tem coisas que você não tem escolha. Qual é o melhor artista italiano? Vittorio Gassman. Ele dizia que precisa de uma vida para ensaiar e outra para viver. Eu tinha de ter ensaiado, mas fui obrigada a viver. Gassman também dizia que da vida você leva seus filhos, seus amigos e seus amores. Começo olhando para os meus filhos, porque você sempre acha que poderia ter feito assim, assado, apesar de eu achar a minha filha ótima. Mas isso vocês poderiam perguntar para ela.

A senhora é feliz como presidente?
Sou, de certa forma, porque acho que essa é uma pergunta que ninguém consegue responder. Não existe um estado de felicidade constante.

O que a senhora vai fazer quando  sair daqui?
Eu vou pra minha casa, lá no Rio Grande do Sul.

Escrever um livro? Vai continuar na política, presidente?
Eu não sei… Eu acho que todos nós temos que, de alguma forma, fazer política. Não precisa fazer intensa, não.

A senhora pegou gosto?
Querida,eu tenho direito à aposentadoria. Entrei na política aos 15 anos. Estou com 68 anos, estou para lá de direito de aposentadoria. Estou muito velha.

Breno Fortes/CB/DA Press - 8/5/09

“O câncer, tirei de letra”
Diante de temas como a iminente votação de um impeachment na Câmara dos Deputados, crises econômica e política, Operação Lava-Jato, entre outros, forçar reminiscências pode parecer até inapropriado. No caso da presidente Dilma, no entanto, lembranças incluem dramas humanos tão fortes, que jamais deixarão de falar sobre o seu temperamento e sobre a sua forma de encarar adversidades. Tortura nos porões da ditadura e o tratamento de um câncer, por exemplo.

Em 2009, quando entrevistei Dilma, então ministra e potencial candidata a presidente da República, ela falou pela primeira vez publicamente sobre o linfoma que a acometia. Saí de lá com a impressão líquida e certa de que ela venceria a doença. Tanto que cheguei a encerrar um artigo com a frase “quando ela disse que venceria o câncer, eu acreditei”. De fato, ela demonstrou que a vitória contra a doença era praticamente um jogo de cartas marcadas. E que sairia vencedora. Saiu.

Na sabatina de ontem com os jornalistas, perguntei-lhe se o momento atual era tão impactante quanto aquele, do diagnóstico e do tratamento do câncer. “Ih, câncer, eu já tirei de letra.” Insisti: “Tirou de letra. Muito mais fácil que esse momento então?”

“O câncer é bobagem. Câncer hoje tem conhecimento, estrutura, é tratamento. Se você pegar cedo, tem remédio, tecnologia. Do câncer, você sai”, respondeu. Sair do impeachment, de fato, depende de variáveis que vão além do controle da presidente. Mas não se pode deixar de admitir que ela mantém a confiança na vitória.

Proposta de inversão de papéis
No fim da entrevista, Dilma falou um pouco sobre o relacionamento com a mídia e confessou estranhar o fato de os jornais produzirem manchetes “igualzinhas” todos os dias na extensa cobertura sobre o impeachment. “É intrigante”, disse, ao confessar o interesse de um dia inverter os papéis e entrevistar os repórteres: “Vocês podiam me dar esse direito, não?”. Ela já sabe até a primeira pergunta que fará aos jornalistas: “Como acham que funciona a imprensa, hoje, no Brasil?”
A presidente não entrou em detalhes, mas deixou escapar que “a questão” crucial não é com os jornalistas, e, sim, com instâncias superiores dos jornais. Mais relaxada, na hora que ofereceu pão de queijo ao grupo, a presidente deu uma boa risada quando ficou sabendo de uma paródia sobre as eventuais manchetes dos jornais no dia do juízo final. “Bom saber.” Participaram da entrevista: Cynara Menezes (Blog Socialista Morena e Rede TV), Cristiana Lobo (GloboNews), Fernando Rodrigues (Uol), Ricardo Galhardo (O Estado de S.Paulo), Claudia Safatle (Valor Econômico), André Barrocal (Carta Capital), Lauro Jardim (O Globo), Luis Nassif (Blog do Nassif), Valdo Cruz (Folha de S.Paulo) e Ana Dubeux.

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