Fazendinha JK, última morada de Juscelino, reabre ao público
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Fazendinha JK, última morada de Juscelino, reabre ao público
Renato Alves (texto) e Marcelo Ferreira (fotos)
Uma relíquia da história e da arquitetura nacional está em reforma para ser reaberta ao público, após quase cinco anos fechada. Última moradia do ex-presidente Juscelino Kubitschek, morto em 1976 em um acidente automobilístico, a Fazendinha JK receberá convidados em uma festa programada para setembro, quando o antigo dono faria 114 anos.
O imóvel conserva todos os móveis, artigos pessoais e itens de decoração de quando a família do político vendeu a propriedade, em 1984, a um ex-deputado paranaense, aliado dele. Além disso, localizada em Luziânia, distante 13km do centro da cidade goiana e a 60km de Brasília, a residência é a única obra de Oscar Niemeyer na zona rural.
Juscelino comprou o imóvel em 1972, após ter o mandato cassado pela ditadura militar e de ser proibido de entrar em Brasília. Queria um lugar onde pudesse passar os dias, reunir os amigos e, de lá, ao entardecer, ver as luzes da capital que ergueu no Planalto Central. Encantou-se com a Fazenda Santo Antônio da Boa Vista. Decidiu comprá-la e a apelidou de fazendinha. Virou a Fazendinha JK.
Ali, Juscelino se tornou produtor rural. Usou modernas práticas de irrigação. Plantou soja, arroz, café, eucalipto, na intenção de provar que o solo do cerrado era fértil.
Quando JK adquiriu a propriedade, ela tinha 310 alqueires e nenhuma moradia. O casarão só seria inaugurado em 12 de setembro de 1974. No quintal, o ex-presidente costumava reunir os amigos para almoçar ao redor de uma mesa de pedra.
Na sala de jogos e na discoteca, Juscelino organizava festas regadas a pinga e embaladas por violeiros. A mesa de pôquer, com 11 cadeiras, continua intacta. As prateleiras são enfeitadas por presentes, como uma porcelana japonesa e uma licoeira com os traços do Palácio do Alvorada.
Mineira e moderna
Com janelas grandes, o casarão parece uma antiga casa de fazenda mineira, mas com características modernas de Niemeyer. “Como Juscelino havia sido cassado pela ditadura e não tinha dinheiro algum, ela foi construída com doações de amigos. Por isso, é feita de materiais baratos, como o piso de ardósia da varanda. No entanto, a pedido de Niemeyer, a ardósia foi colocada como uma obra de arte, um jogral”, ressalta uma das administradoras da propriedade, Rosana de Queiroz Servo, 48 anos.
As grossas paredes de concreto também receberam um tratamento artístico. Com uma intervenção em baixo-relevo, ela ficou parecendo ser feita de tijolo. Todo o exterior é pintado nas cores branca e azul.
Dentro, ficam as maiores preciosidades. Entre outras coisas, os cômodos abrigam presentes dados a JK por chefes de Estado. Também guardam móveis luxuosos e de traços modernistas e raridades colecionadas pelo fundador de Brasília, como 1,8 mil livros expostos em sua biblioteca e organizados conforme a cor da capa. A maioria tem dedicatórias dos autores para o presidente.
Nos quartos, além das camas originais e dos forros delas, há curiosidades da arquitetura, como a banheira da suíte de Juscelino e da mulher dele, dona Sarah. Na verdade, uma parte do piso de concreto liso, um desnível sob o chuveiro. Uma moderna banheira econômica. Joia de Niemeyer.
Os vidros envelhecidos e o tom alaranjado estão por toda parte. Eram moda na época. Uma lareira divide as salas de estar e jantar, de onde é possível ver o jardim com estilo de bosque e uma das três represas da fazenda, todas com água potável. Nas paredes, há pinturas de diversas cidades brasileiras, principalmente das mineiras Ouro Preto e Diamantina.
Por um corredor de carpetes verdes, chega-se às quatro suítes. Três são iguais: armários revestidos com papel de parede floral, banheiros brancos e duas camas de solteirão, com colchões semiortopédicos sob um colchonete de 3cm de espessura — exigência de dona Sarah.
O quarto dela e de JK tem uma cama de casal de pelo menos 80 anos, um crucifixo e um terço pregados na parede, e uma maleta de pôquer. Na cozinha, fogão industrial de seis bocas e panelas de pedra-sabão.
Compromisso
Com a morte do presidente, o imóvel ficou para a família Kubitschek. Oito anos mais tarde, ela o vendeu a Lázaro Servo, deputado estadual pelo Paraná e amigo de Juscelino, e à mulher dele, Walkíria Ganassin Servo. Na negociação, Sarah pediu aos novos donos para manter a casa e, principalmente, os móveis e objetos pessoais do marido dela como originais. Era um acordo verbal, mas Lázaro e Walkíria seguiram o desejo.
Sarah se mudou com as filhas para o único imóvel da família, um apartamento no Rio de Janeiro. Os seis filhos, os 13 netos e os quatro bisnetos de Lázaro e dona Walkíria, hoje com 82 anos, cresceram naquele ambiente de história viva.
Morando na Fazendinha, Lázaro morreu de infarto, em 1999. Tempos depois, quatro dos seis filhos dele decidiram fracionar parte da propriedade. Sobraram 78 alqueires, incluindo a área onde ficam os lagos a mansão e uma ermida — também projetada por Niemeyer, é uma réplica reduzida da capela do Palácio do Alvorada, com vitrais de Marianne Peretti, a autora dos vitrais da Catedral de Brasília.
Desde então, Antônio Henrique Belizário Servo, caçula de Lázaro, e a mulher dele, Rosana, se dedicam a preservar o imóvel e a memória de JK, com o aval da matriarca Walkíria. Eles buscaram apoio, fizeram treinamentos e abriram a fazenda à visitação, em 2009, após ampla reforma. Mas as visitas guiadas, com média de mil pessoas por ano, foram insuficientes para manter a casa. Com isso, o casal encerrou a atividade em 2012.
Seresta
Agora, com a ajuda dos três filhos, Antônio e Rosana se preparam para retomar o tour turístico, com maior oferta de serviços. Após obras de manutenção, principalmente em função de vazamentos no casarão, ocorrerá a festa de reabertura, em 17 de setembro. Com uma seresta, celebrará também o nascimento de JK. A partir de então, a família Servo passará a receber grupos pré-agendados, de, no mínimo, 20 pessoas.
“Elas poderão escolher, ainda, tomar um café da manhã na varanda, almoçar, fazer um lanche da tarde ou mesmo todas as refeições, em um dia inteiro de visitação”, adianta Rosana. O preço, segunda ela, vai variar de acordo com a quantidade de visitantes e dos serviços contratados.
Além da visita guiada pelo interior da casa, que deverá durar duas horas, será possível fazer caminhada pela mata preservada da fazenda, conhecer e apreciar frutas típicas do cerrado, subir o morro onde está a ermida de Niemeyer e ainda ver — e até entrar — na Mercedes Benz 1963 usada na campanha presidencial de JK. Restaurado pelo Exército, o veículo luxoso conserva pneus originais, bancos de couro e volante de osso. Ele fica guardado em uma garagem coberta da Fazendinha JK.
SERVIÇO
Grupos interessados em conhecer a Fazendinha JK mesmo em obras, ou em agendar o tour para a partir de setembro podem entrar em contato com os organizadores pelos telefones (61) 98199-9206, 98247-0397 e 99845-9030, ou pelo e-mail rosana.servo@gmail.comNÃO DEIXE DE CONFERIR
1,8 mil livros
Incluindo coleção rara de medicina, da época em que Juscelino fez pós-graduação em ParisMercedes Benz 1963
Usada na campanha presidencial, com os pneus originais, bancos de couro e volante de ossoCadeira de JK
Ele usou quando governou Minas GeraisDuas máquinas de escrever Olivetti
Também usadas pelo ex-presidenteCaixa de pôquer
Com a inscrição “20/11/1971” na tampa de madeira, dia em que JK estava jogando e fez um royal de copasMesa de pôquer
Com 11 cadeiras intactasPresentes de embaixadores
Ficam nas prateleiras da sala de jogos, como uma porcelana japonesa e uma licoeira com os traços do Palácio do AlvoradaQuadros de fotos
Em preto e branco, da época da construção de Brasília, de JK e de dona Júlia, mãe de JuscelinoRoupas de cama
Todas originaisPratarias, louças e cristais
Tudo também originalMesa de jantar
Com tampo de vidroCadeiras
Forradas com veludo alemão