Escritório de advocacia é condenado a indenizar por “perda de uma chance”
NEGLIGÊNCIA COM CLIENTE
O advogado não pode ser responsabilizado por eventual insucesso da demanda judicial, pois sua obrigação é de meio e não de fim. Ou seja, ao ser contratado, ele não se compromete a se sair vitorioso na causa. Entretanto, se ficar comprovado que se omitiu ou agiu de forma desidiosa com seus deveres no curso do processo, prejudicando cliente, responde civilmente pelos seus atos.
Por verificar essa situação, a 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reformou sentença para condenar escritório de advocacia de Rio Grande a pagar dano moral e material a um homem prejudicado em ação previdenciária pela omissão do seu procurador. O dano moral foi arbitrado em R$ 10 mil, e o material será apurado em liquidação de sentença.
O autor da ação contratou os serviços da banca para tentar restabelecer o auxílio-doença junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e depois convertê-la em aposentadoria por invalidez. O processo foi levado à Justiça em 2 de junho de 2008. Apesar de ter provas de sua incapacidade, ficou surpreso quando soube que a Justiça tinha indeferido o pedido. A sentença apontou que ele e/ou seu procurador deixaram de comparecer à audiência designada pelo juízo para interrogatório, marcada para 26 de setembro de 2009.
Na ação reparatória movida contra a banca, o autor sustenta que não foi avisado da audiência, nem mesmo do prazo para justificar sua ausência, o que inviabilizou o sucesso da demanda. Segundo ele, tanto é verdade que teve que intentar nova ação contra a autarquia, conseguindo o benefício em 26 de fevereiro de 2010. Em função dos percalços, pediu indenização por danos morais e materiais – estes estimados R$ 66,6 mil, que é a soma dos benefícios não recebidos no período.
Citado pela 3ª Vara Cível da Comarca de Rio Grande, o escritório de advocacia arguiu, preliminarmente, a ilegitimidade passiva e a prescrição, já que o artigo 206, parágrafo 3º, inciso V, do Código Civil, diz a ação de responsabilidade civil prescreve em três anos. No mérito, alegou que tentou avisar sobre a data da audiência, mas não teve êxito, porque o autor não comunicou a mudança de telefone endereço.
Sentença improcedente
O juiz Régis Adriano Vanzin acolheu a tese da prescrição e julgou a demanda improcedente. Segundo ele, embora o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) regule a relação entre as partes, o artigo 27 não incide no caso concreto, pois a responsabilidade civil dos profissionais liberais depende de verificação de culpa. Assim, a pretensão indenizatória está, mesmo, calcada nas regras de responsabilidade civil previstas no Código Civil.
“Estabelecida essa premissa, verifica-se que o trânsito em julgado da ação judicial inexitosa, na qual houve a omissão geradora da pretensão indenizatória, transitou em julgado em agosto de 2009. Logo, como a presente demanda foi ajuizada em 18 de setembro de 2013, evidenciada está a prescrição da pretensão do autor, porquanto transcorrido o triênio legal”, fundamentou na sentença.
Virada no tribunal
A 16ª Câmara Cível mudou o desfecho da ação. Primeiro, afastou o reconhecimento da prescrição sobre a pretensão indenizatória. É que o Superior Tribunal de Justiça já sedimentou o entendimento de que, em ações movidas pelo mandante contra o antigo mandatário, aplica-se o prazo prescricional decenal, como previsto no artigo 205 do Código Civil. Em segundo lugar, o colegiado entendeu que houve, de fato, falha na prestação do serviço de advocacia, relacionando-a ao resultado de improcedência da ação previdenciária. Afinal, o advogado não demonstrou ter adotado qualquer medida concreta para notificar seu cliente.
O relator da apelação, desembargador Paulo Sérgio Scarparo, observou que a responsabilidade civil tratada nos autos — quanto aos danos materiais — origina-se da teoria da perda de uma chance. Ou seja, a responsabilidade do advogado surge quando este deixa de agir ou age mal, fazendo com que seu cliente perca uma oportunidade de ver uma situação, em seu prejuízo, modificada.
“Ocorre que não basta a mera existência de uma probabilidade de ser modificada a decisão. A probabilidade, em si, não é capaz de configurar qualquer responsabilidade pelo patrono no seu não-agir. Contudo, se deparados estivermos perante uma situação que, certamente, ou muito provavelmente poderia ser modificada, daí sim, estaríamos diante de conduta (não-conduta) suscetível de reprimenda, pois, efetivamente, estaríamos diante de perda de uma chance”, explicou.
Assim, a banca foi condenada a pagar danos materiais não nos moldes pleiteados na petição inicial – que tomou por base o valor do auxílio-doença à época do ajuizamento da ação indenizatória –, mas do que for apurado desde o indeferimento pelo INSS, ocorrido em 2007, até o momento do restabelecimento do benefício intentado na segunda demanda. Tudo devidamente corrigido em fase de liquidação de sentença.
Como a desídia também causou dissabores ao autor da ação, que ultrapassaram os meros aborrecimentos, o relator condenou a parte ré a pagar danos morais no valor de R$ 10 mil. “Veja-se que, em razão do seu quadro de impossibilidade laboral, o autor estava impedido de obter uma fonte de renda para se sustentar, restando patentes os danos morais sofridos (in re ipsa), suportando um longo período sem rendimentos, até o desfecho da segunda demanda pessoalmente por ele ajuizada, no Juizado Especial Federal”, fulminou Scarparo.
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Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
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