Juiz que visitou presídio em Manaus : ” Era uma cena dantesca”

por José Antonio Lima e Ingrid Matuoka — publicado 02/01/2017 16h16
Luís Carlos Valois negociou a libertação de reféns no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, onde dezenas de presos foram assassinados
Divulgação/Seap
Compaj

A matança em Compaj é a maior em um presídio brasileiro desde 1992

Luís Carlos Valois é juiz da Vara de Execução Penal do Tribunal de Justiça do Amazonas. Mensalmente, ele visita o Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, para verificar aspectos como as condições do local e a progressão de pena dos detentos. Na manhã desta segunda-feira 2, Valois se deparou na casa de detenção com um pesadelo: uma pilha de corpos de presos assassinados durante a rebelião.

Integrante da associação Juízes para a Democracia, Valois é conhecido por defender os direitos dos presidiários. Na noite de domingo 1º, deixou sua casa rumo ao Compaj atendendo um pedido do secretário de Segurança Pública do Amazonas, Sérgio Fontes. O nome de Valois tinha sido sugerido pelos presos como interlocutor para negociar o encerramento do motim.

Ainda na noite de domingo, o magistrado ajudou na entrega de três reféns e conseguiu que os presos deixassem a área onde ficam os detentos do regime semi-aberto, contígua à área reservada aos de regime fechado. As negociações seguiram pela madrugada, mas só na manhã desta segunda os presos aceitaram encerrar o motim e entregar o restante dos reféns. Ali, o massacre veio à tona.

“Quando eles estavam entregando os reféns, vi os corpos que sobraram. Era uma cena dantesca”, afirma Valois em entrevista por telefone a CartaCapital. Segundo o juiz, os presos mortos no local foram esquartejados e seus membros foram empilhados na porta do presídio. “Parecia um contêiner de braços e pernas, uma cena chocante”, diz.

A rebelião no Compaj terminou com ao menos 60 mortos, segundo Sérgio Fontes, o secretário de Segurança Pública do Amazonas. O número ainda não está confirmado, mas esta é a maior matança em um presídio brasileiro desde 1992, quando 111 detentos foram mortos por policiais militares durante o Massacre do Carandiru, em São Paulo.

O motim começou no início da tarde de domingo, durante o horário de visita, e terminou quase 17 horas depois. Ao menos 12 agentes penitenciários da empresa terceirizada Umanizzare e 74 presos foram feitos reféns. Parte desses detentos foi assassinada e ao menos seis foram decapitados.

Entre eles estavam estupradores, delatores e também integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC), uma das principais facções criminosas a agir nos presídios brasileiros. Alguns corpos foram arremessados por sobre os muros do complexo.

Guerra de facções

As autoridades estaduais afirmaram que o conflito foi motivado por brigas entre duas facções rivais, a Família do Norte (FDN), ligado ao Comando Vermelho, originário do Rio de Janeiro, e que detém o domínio do Compaj, e o PCC, de São Paulo, que avança pelo País. “Tudo indica que foi o ataque de uma facção maior contra uma menor para eliminar a concorrência”, afirmou Fontes.

Para ele, trata-se de um problema nacional, e não localizado no Amazonas. “É preciso que todas as entidades federativas se empenhem ao combate ao narcotráfico. Evitamos várias rebeliões, mas ontem não conseguimos”, disse.

A disputa entre o Comando Vermelho e o PCC teve início quando as duas organizações romperam um acordo de paz. Um mês depois, em outubro de 2016, ocorreram dez mortes no presídio de Roraima, e mais oito mortes em Rondônia.

Á época, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, afirmou que se tratava de uma “situação pontual”, e que não havia necessidade de pedir o reforço da Força Nacional, embora autoridades locais afirmassem o contrário. Fontes afirmou que, agora, o ministro colocou-se à disposição do governador José Melo (PROS) para o que fosse preciso, como transferências para presídios federais e envio da Força Nacional.

Tudo indica que a ação no Compaj foi premeditada. Poucas horas antes do início da rebelião, dezenas de detentos tinham conseguido escapar de outra unidade prisional de Manaus, o Instituto Penal Antônio Trindade (Ipat). Seria uma tentativa de tirar o foco do que estava acontecendo no Compaj.

Até a demora nas negociações seria parte da estratégia. A intenção da FDN seria arrastar o diálogo para conseguir assassinar os presos rivais. “Eles não fizeram exigências difíceis, pois a intenção era exterminar a facção rival, e pediram a estadia de todos dentro da unidade prisional e acompanhamento dos direitos humanos”, disse Pedro Florêncio, titular da secretaria de Estado de Administração Penitenciária.

As autoridades amazonenses prometem investigar a chacina e descobrir os responsáveis por ela. Para Valois, a chance de essa empreitada ter sucesso é pequena. “Acho que nunca vamos saber quem matou quem”, disse. Ativista de direitos humanos, Valois ainda não consegue mensurar o impacto que as cenas vistas no presídio terão sobre ele. “É algo que nos deixa fragilizados. Ainda nem sei que impacto isso vai ter em mim”. Fonte: Carta Capital

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