Em entrevista ao Correio, Rollemberg propõe pacto para resgatar Brasília
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Foram dois meses de transição e um diagnóstico difícil sobre a situação da capital do país. Eleito no segundo turno, com 812.036 votos, o correspondente a 55,56% do eleitorado, Rodrigo Rollemberg, 55 anos, assumirá o comando do Distrito Federal com o compromisso de realizar uma gestão austera. As primeiras medidas serão corte de gastos, demissão de comissionados e ajuste da máquina administrativa para evitar atraso de salários do funcionalismo público e normalizar os atendimentos nos hospitais, prejudicados por greves de empresas terceirizadas.
Não será fácil. O novo governador tem consciência do caminho pela frente. Por isso, Rollemberg defende um pacto com instituições, como Justiça, Ministério Público, Tribunal de Contas, Câmara Legislativa, governo federal e a sociedade civil para recuperar a esperança da população, depois de um governo que chega ao fim com alta rejeição.
Em entrevista ao Correio, o futuro chefe do Executivo fala dos planos e antecipa que não poderá cumprir, já no primeiro ano, duas promessas de campanha: a eleição direta para administrações regionais e o desconto para o consumidor dos impostos pela compra de medicamentos. “Temos que criar as condições para cumprir os compromissos ao longo dos quatro anos”, afirma.
Na fase de transição, o senhor teve tempo de fazer uma avaliação do que ia encontrar. O que considerou mais grave?
Na campanha, sabíamos que encontraríamos uma situação muito difícil, mas não imaginávamos que fôssemos encontrar um governo tão deteriorado, especialmente do ponto de vista das finanças. O deficit orçamentário e financeiro do Governo do Distrito Federal é impressionante, o que vai exigir um pacto por Brasília. Um pacto de todas as instituições, com o objetivo de resgatar Brasília e fazer com que a cidade enfrente e supere as imensas dificuldades para que possa voltar à normalidade. É ter insumos e medicamentos nas unidades de saúde, que os hospitais voltem a funcionar adequadamente, os servidores possam receber os seus salários em dia, o transporte público ofereça um serviço de qualidade à população, a conservação da cidade volte a ser feita adequadamente. Isso só será possível com um grande pacto das instituições e da sociedade, a favor de Brasília.
E como seria esse pacto?
Nós já estamos recebendo muita solidariedade nas ruas. Há uma percepção das pessoas da dificuldade no DF. Dizem que peguei um abacaxi, um pepino. Digo que não precisam ter pena, que precisamos trabalhar juntos para enfrentar e superar os desafios. Confio muito na capacidade da população do DF de superar as dificuldades e construir um novo futuro para a cidade. O mesmo estamos recebendo das instituições. Fui ao presidente da Câmara Legislativa, logo depois da eleição, quando ainda não tinha conhecimento da gravidade do assunto, mas já fui alertado que a situação era muito difícil. Depois fomos ao Tribunal de Contas, ao Tribunal de Justiça, ao Ministério Público. Estamos conversando com os deputados distritais e temos percebido uma solidariedade muito grande. Uma compreensão de que todas as instituições devem contribuir para a superação dessas dificuldades.
Os cidadãos querem soluções imediatas. O senhor acha que vai ser difícil esse dia a dia, por causa das cobranças?
Não tenho dúvida de que será difícil, tal a gravidade dos problemas. Isso não nos intimida. Nosso compromisso com a cidade e nosso desejo de servir são maiores que essas dificuldades. Agora, as pessoas têm compreensão de que ninguém vai resolver os problemas por milagre, com um passe de mágica. Entendo que o que as pessoas querem perceber é coerência, dedicação. E o que é coerência neste momento? É ter um governo austero, transparente, que possa mostrar exatamente a real situação, que tenha capacidade de dialogar com a população e buscar com ela a solução para os problemas do DF.
Por que, na sua avaliação, a crise chegou a esse ponto? De atraso de salários, falta de medicamentos. Foi má gestão?
Sem dúvida. Eu usei uma expressão na campanha eleitoral, não foi à toa, a do apagão de gestão. E o Estado está comprovando isso, porque esse apagão é muito mais profundo do que imaginei. Entendo que é um misto de muita incompetência e muita irresponsabilidade, o que levou ao desequilíbrio. O Distrito Federal se abriu, como se fosse uma grande boca de jacaré. As receitas aumentaram timidamente e as despesas cresceram de uma forma assustadora, sem nenhum controle. E repito: com os processos que tivemos nesta transição, inclusive com conversas com secretários de Estado, executivos, grande parte dessas despesas foi decidida à revelia ou com posição contrária dos secretários de Fazenda ou do Planejamento. Eles alertavam que o Estado não teria capacidade de assumir tais despesas. O que estamos vendo é isso. Um total descontrole.
Existe preocupação com o pagamento dos salários em janeiro?
Existe. Nós já estamos em negociação com o governo federal, buscando antecipação de parte das receitas do Fundo Constitucional para arcar com algumas despesas de pessoal e não ter atrasos. Isso é a nossa prioridade no momento, porque o governo, pela primeira vez na história, com todas as informações que nós temos, não conseguirá pagar a parte do Tesouro dos salários devidos em dezembro, ainda em dezembro. Parte disso vai ficar, o que é um descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.
O governador Agnelo Queiroz diz que houve prioridade em aumentar pessoal e valorizar salários. O senhor acha que ele exagerou na contratação e nos reajustes?
Todos nós somos favoráveis à contratação de servidores em função das necessidades do Poder Público e também da melhoria salarial. Isso tudo tem que ser feito dentro da racionalidade e da possibilidade de pagamento. O governador Agnelo deu aumento para 37 categorias profissionais. Existe no DF o conselho de política de recursos humanos. Todo aumento tem que passar por esse conselho exatamente para medir impacto e capacidade do governo em pagar. Esses aumentos foram dados ad referendum desse conselho. Os conselheiros, pelas informações que tivemos, se recusaram a assinar. Alguns alertaram sobre a incapacidade do governo de arcar com aqueles custos. Isso contribuiu para elevar esse desequilíbrio financeiro. É importante que o funcionalismo tenha garantida a regularidade do pagamento. De nada adianta dar aumento que o governo não tem condição de pagar e depois atrasar salários, como estamos vendo pela primeira vez na história no DF.
Qual é o seu grande desafio?
Promover o equilíbrio financeiro no Distrito Federal. É ver onde podemos cortar despesas, reduzir desperdício, combater a corrupção, melhorar a qualidade do gasto público. Por isso, estamos reduzindo as secretarias, cortando cargos comissionados. E vendo como podemos aumentar a receita com ações que podem contribuir com isso.
Desses cortes necessários, o senhor falou dos comissionados. Onde mais é possível cortar?
Olha, algumas medidas estão sendo estudadas, como auditorias nas folhas de pagamento do GDF. Agora, na hora que tomarmos posse e estivermos com todas as informações, nós queremos ver onde podemos fazer cortes. Queremos fazer tudo isso com diálogo profundo, transparência absoluta e buscando honrar compromissos assumidos.
O senhor chegou a falar em um rombo de R$ 3,8 bilhões. Já existe um valor estimado de quanto vai ficar de dívida para a sua gestão?
A gente só vai ter esse número exato quando assumir o governo. A estimativa, hoje, está entre R$ 3,2 bilhões a R$ 3,8 bilhões. Ainda não temos todas as informações e o governo tem possibilidade de buscar transferência de recurso para reduzir o tamanho deste gasto. Mas temos que levar em conta que todos os empenhos que foram feitos para obras ou serviços já realizados acabam tendo que entrar no processo de reconhecimento de dívida. Por isso, só vamos saber o tamanho disso no momento em que assumirmos. O que podemos assegurar é que o desequilíbrio é enorme.
Diante dessa situação difícil, vai ser possível, já no primeiro ano, cumprir o compromisso assumido com o senador Reguffe de abrir mão dos impostos dos remédios?
É importante perceber o governo em perspectiva de quatro anos. Quando a gente assume alguns compromissos de campanha, não quer dizer que têm que ser cumpridos todos no mesmo ano. Temos que criar as condições para cumprir os compromissos ao longo dos quatro anos. Mas, neste ano, não poderemos abrir mão de receita alguma.
Foi difícil tomar a decisão de cancelar as Olimpíadas Universitárias de Verão — a Universíade — que seriam realizadas no DF, em 2019?
Todos sabem do meu compromisso com o turismo e de compreender Brasília como grande centro de eventos culturais, esportivos, científicos, profissionais. Ainda como deputado federal, liderei uma delegação de parlamentares à China e, naquela ocasião, manifestei ao vice-presidente chinês o desejo que a Universíade fosse em Brasília. E é claro que uma decisão dessa não se toma com satisfação, mas é uma questão de responsabilidade. Brasília teria que pagar algo próximo de R$ 100 milhões, já no ano que vem. Além de fazer investimentos de mais de R$ 400 milhões. A União teria que investir mais R$ 400 milhões. Também teríamos que destinar grande parte da área do jóquei para a construção de uma Vila Olímpica. São encargos muito grandes para uma cidade que, neste momento, está com dificuldades de insumos e remédios nos hospitais, e de pagar salários. A minha responsabilidade indicou que neste momento deveríamos abrir mão deste evento para atender outras áreas.
E com relação ao Estádio Mané Garrincha?
Primeiro, há um sentimento que mostra uma corrupção de prioridades de o governo investir quase R$ 2 bilhões em um estádio, quando a cidade poderia ter estádio que cumpriria os mesmos objetivos com um preço muito mais baixo, e ter recursos para investir em áreas como mobilidade urbana e saúde. Mas o estádio está pronto e precisa ser incorporado a uma política de turismo de eventos. Nós entendemos que não é papel do governo administrar um estádio caro e que, sem dúvida, ficará mais caro na mão do governo. Entendemos que devemos, com muita transparência e participação da sociedade, fazer um processo de concessão em que, entre os objetivos, crie um calendário de eventos culturais e esportivos que contribuam para o turismo de Brasília e um retorno econômico ao governo.
O secretariado saiu como o senhor pretendia?
Estamos muito satisfeitos com a composição e com a recepção do secretariado. Cumprimos compromisso de campanha de que faríamos um governo técnico, com base em um programa, não lotearíamos os cargos. São quadros que as pessoas percebem que fazem parte de uma nova geração política e expressam desejo de renovação.